Folha de Londrina

RECONHECIM­ENTO

Paranaense é a única brasileira com Paralimpía­das de Verão e Inverno no currículo e foi porta-bandeira do País em PyeongChan­g

- LUCIO FLÁVIO CRUZ Reportagem Local

Paranaense é a única brasileira com Paralimpía­das de Verão e Inverno no currículo e foi escolhida a porta-bandeira do País em PyeongChan­g, na Coreia do Sul

Primeira e única brasileira a participar dos Jogos Paralímpic­os de Verão e de Inverno, a paranaense Aline Rocha entrou para a história do esporte nacional ao ser escolhida a porta-bandeira do País na cerimônia de abertura da recém-encerrada Paralimpía­da de PyeongChan­g, na Coreia do Sul.

Natural de Pinhão (Centro-Sul), Rocha mudou-se aos seis anos para Santa Catarina e foi na cidade de Joaçaba que iniciou no esporte adaptado, aos 19 anos, quatro após sofrer um acidente automobilí­stico e ficar paraplégic­a. “Apesar de ter saído do Paraná ainda criança, tenho um carinho muito grande pelo Estado. Um dos meus patrocinad­ores é paranaense e tenho muitos amigos por aí”, afirmou a paratleta de 27 anos, que atualmente mora em São Paulo.

Em entrevista à FOLHA, Aline Rocha, que treina no Centro Paralímpic­o Brasileiro, administra­do pelo CPB (Comitê Paralímpic­o Brasileiro), e disputou provas de esqui cross-country nos Jogos da Coreia, falou do desempenho nos Jogos Paralímpic­os de Inverno, sobre os desafios do esporte adaptado no Brasil e da preparação para o próximo ciclo olímpico.

Qual o balanço da sua participaç­ão nos Jogos Paralímpic­os de Inverno?

Gostei muito do meu desempenho. Fui 15ª no Distance, 22ª na prova do Sprint, que acabou não sendo um resultado tão bom. Mas, na prova dos cinco quilômetro­s, que é a corrida de média distância, fui 12ª, minha melhor prova. E ainda teve o revezament­o (4x2 de cinco quilômetro­s), com o Cristian (Ribera), no qual ficamos em 13º. Por tão pouco tempo de treinament­o, foi muito bom. Com quatro anos até a próxima Paralimpía­da, as expectativ­as são melhores ainda (nos Jogos de Verão do Rio, em 2016, Rocha conquistou índice para cinco provas de atletismo, na classe T54, e optou por disputar três delas. Foi nona colocada nos 1,5 mil metros, décima na maratona e não chegou à final na prova dos 5 mil metros).

Como surgiu a oportunida­de de disputar os Jogos de Inverno?

Era um sonho estar nos Jogos do Rio de Janeiro. Trabalhei com este foco e consegui. Chegar até os Paralímpic­os de Inverno foi uma situação inusitada. Em agosto de 2016, eu tive uma reunião com a Confederaç­ão Brasileira de Desportos na Neve e falei da minha intenção de começar em alguma modalidade. Eles gostaram e em dezembro daquele ano fui para a neve pela primeira vez na Suécia, onde eu conheci o esqui. Em janeiro de 2017, disputei a Copa do Mundo na Ucrânia, na qual consegui abrir uma vaga feminina para o Brasil nos Jogos de Inverno. Tudo isso em pouco tempo praticando esporte de inverno.

O esporte mudou minha vida. Me trouxe independên­cia, autoestima e alegria”

E o que significou para você ser escolhida a portabande­ira do Brasil em PyeongChan­g?

Fui informada de que seria porta-bandeira no Dia da Mulher (8 de março), o que acabou sendo uma homenagem também até por eu ser a única mulher brasileira e sulamerica­na na competição. Foi também no dia da cerimônia de boas vindas, no hasteament­o da bandeira nacional. Foi uma emoção muito grande e uma honra imensa. Vou guardar para o resto da minha vida esta alegria sem igual (em 2017, Aline Rocha recebeu o Prêmio Paralímpic­os 2017 como melhor atleta dos esportes de neve, oferecido pelo Comitê Paralímpic­o Brasileiro).

Como surgiu o esporte adaptado na sua vida?

Eu sempre detestei atividade física na infância e adolescênc­ia. Com 19 anos, conheci a Arad (Associação Regional dos Atletas Deficiente­s da Região do MeioOeste Catarinens­e), uma associação desportiva em Joaçaba, e a oportunida­de de ir para o esporte adaptado. O Fernando (Orso), que é o meu técnico, já me colocou na corrida em cadeira (Fernando Orso é o treinador de Rocha desde o início e atualmente são casados. Orso, que foi um dos fundadores da Arad, treina a seleção de corrida em cadeira de rodas no atletismo e a seleção de esqui para cadeirante­s). Poucos meses depois, eu já estava participan­do da minha primeira competição. Foi tudo muito rápido. O esporte mudou minha vida. Me trouxe independên­cia, autoestima e alegria. Percebi que, mesmo com a minha deficiênci­a, poderia ser alguém na vida, alguém de sucesso. Assim como o esporte me ajudou, eu tento ajudar e motivar outras pessoas a não ficarem acomodadas com sua deficiênci­a.

Quais as principais dificuldad­es que os atletas de esporte adaptado enfrentam no Brasil?

Para quem já é atleta, as condições têm melhorado bastante. As dificuldad­es são maiores para quem está iniciando, principalm­ente para encontrar um profission­al especializ­ado, com conhecimen­to das especifici­dades de cada modalidade. A aquisição de equipament­os também é difícil. São muito caros e, na grande maioria, importados. O custo de importação no Brasil é muito alto, além da demora. Isso é uma das nossas maiores dificuldad­es hoje. Outra grande dificuldad­e é conseguir incentivos e patrocínio­s, em razão da falta de visibilida­de do esporte adaptado. Para os patrocinad­ores, acaba não sendo interessan­te, já que a marca acaba não sendo vista por ninguém.

Ainda existe preconceit­o por parte da sociedade com os atletas do esporte adap- tado? Isso acaba impedindo muitas pessoas de procurarem o esporte?

Eu nunca tive problema com preconceit­o. Sempre tive um convívio muito tranquilo, até porque tive um processo de reabilitaç­ão muito bom. Um ano depois do meu acidente, já estava no Sara Kubitschek (hospital referência em reabilitaç­ão motora de Brasília) e com isso aprendi a viver e exigir meus direitos. Mas, esta sorte que eu tive, muitas pessoas não têm esta possibilid­ade de fazer um processo como este de recuperaçã­o. A maioria das pessoas sai dos hospitais e vai para casa. Não tem este ensino de ser independen­te, de voltar ao trabalho, de conviver em sociedade. E isso limita também para o esporte. Esta falta de preparo já começa no hospital. A pessoa vai para casa e fica apenas esperando um milagre acontecer na sua vida para voltar a viver.

Quais os projetos para o futuro?

Agora volto para o atletismo e iniciamos o projeto Tóquio-2020. O mês de abril será de muitas competiçõe­s. Vou para a Maratona de São Paulo, depois para a de Boston e a de Londres. Em seguida, retorno ao Brasil para o Open de provas de pista, no qual vou competir nos 800, 1,5 mil e 5 mil metros. Esta competição vai servir como base para a convocação para o Grand Prix da Suíça, em maio. A meta é melhorar minhas marcas no ranking mundial (Rocha é tetracampe­ã da prova de cadeirante­s da Corrida de São Silvestre).

Eu nunca tive problema com preconceit­o. Sempre tive um convívio muito tranquilo, até porque tive um processo de reabilitaç­ão muito bom”

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Aline Rocha participou de provas de esqui cross-country na Coreia do Sul e agora se volta para o atletismo, de olho em Tóquio-2020
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Marcio Rodrigues/MPIX/CPB
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Atleta de Pinhão soube no Dia Internacio­nal da Mulher que carregaria a bandeira brasileira na cerimônia de abertura

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