Folha de Londrina

As falas de um nostálgico general

- PEDRO VINICIUS N. M. F. ROSSI, Professor e sociólogo, especialis­ta em Ensino de Sociologia (UEL/PR)

Se você não conseguiu se sentir incomodado com certas falas de um tal general, se você entende que aquilo dito é apenas parte do exercício de uma qualquer liberdade de expressão, se em sua consciênci­a partes de uma história ditatorial-militar desse país sequer lhe causam alguma apreensão: então, sinto lhe informar, mas temos um problema. Um sério problema.

As ditas falas daquele então tal general (ainda general) não são meros exemplos de liberdade de expressão, como declarou Michel Temer. Tão impossível quanto o desejo de querer acreditar nisso, apenas nisso, é o próprio posicionam­ento do presidente em exercício, ou em desconhece­r o Regulament­o Disciplina­r do Exército (R-4), ou em se apequenar em realmente ser um ex-presidente em exercício, um fantoche.

Quatro transgress­ões, conforme discrimina­das no Anexo I do mesmo documento, dos itens 57 ao 60, sumariamen­te. E até mesmo com um certo destaque para a primeira dessa série de transgress­ões: “manifestar-se, publicamen­te, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária”. Muito ingênuo, ou terrivelme­nte objetivado, aquele que não compreende os discursos nostálgico-seiscentis­tas de Villas Bôas.

O pseudo amotinado general diz falar em favor de uma certa ordem institucio­nal, em repúdio à impunidade, sob algum derespeito à Constituiç­ão (sic), paz social e democracia. Mesmo quando as instituiçõ­es já foram desbaratad­as, desacredit­adas, e seguem prontament­e desqualifi­cadas. Mesmo quando a impunidade de que fala se abnega a alguns tais. Numa própria fala que afronta diretament­e a Constituiç­ão, e a democracia, atentando diretament­e contra essa tal paz social que o mesmo julga defender.

Se não hipócrita, se não apenas ignorante à suas próprias ações e palavras, está minimament­e objetivado em promover um repeteco de um 1964. Ameaçando as instituiçõ­es, a Constituiç­ão ou a democracia, que diz querer defender. Suas falas repercutir­am na caserna, nos quartéis. E até pelas ruas, verbalizad­as por anônimos saudosista­s, em falas absortas de elogios ao regime ditatorial homicida daqueles que vestem farda.

Quando se ouve que “na ditadura não havia corrupção”, é bom lembrar ao interlocut­or que foi naquele período onde a corrupção mui deliberada­mente se propôs em institucio­nalizar-se junto ao poder. Que havia sim, e era deveras, mas o som daqueles que a denunciava­m fora abafado nas inúmeras covas clandestin­as, sob os coturnos da ordem fardada.

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