AVENIDA PARANÁ
História de um menino que foi deixado num país imenso e desconhecido
Às vezes eu sinto uma angústia e uma solidão dentro do peito, e fico a pensar de onde elas vêm. Não posso reclamar da vida: tenho uma família amorosa, uma casa confortável, um trabalho gratificante, uma fé consoladora; tenho meus livros e minha crônica diária; tenho meus amigos e meus sete leitores; moro na cidade dos meus sonhos. As dificuldades financeiras e desentendimentos políticos são apenas espuma, algaravia, zumbido de moscas. O que é que falta para mim?
Mexendo em velhos papéis, encontro um velho fax, quase apagado, com a suave caligrafia de minha mãe. O texto é datado de 21 de março de 2002. Fala sobre Antônio Costa, meu bisavô.
Nascido em Guimarães (Portugal), Antônio veio para o Brasil em 1896, aos sete anos de idade. Com ele vieram os pais, duas irmãs e um irmão. Desembarcaram em Belém do Pará. No entanto, por algum motivo desconhecido, pouco tempo depois ele e o irmão mais velho foram deixados, ainda crianças, na capital paraense. Os pais e as irmãs voltaram para Portugal.
Meu filho vai completar oito anos agora. Olho para o Pedro e fico imaginando a solidão que aquele menino sentiu ao se ver sozinho num imenso país desconhecido. Penso nas dificuldades que devem ter surgido desde os tempos em que ele trabalhou no Mercado de Ver-o-Peso, na viagem de navio para o Rio de Janeiro, nos pequenos trabalhos que realizavam em casas de família. Sem dúvida, Antônio e seu irmão devem ter recebido ajuda de alguém. Hoje rezei por essas pessoas que não conheci, mas que são responsáveis pela minha existência.
No Rio, Antônio trabalhou como cobrador de bonde por algum tempo. Em algum momento, não sabemos quando, ele se separou do irmão mais velho, a quem nunca mais encontrou. Antônio aprendeu a ler e escrever sozinho. Ainda muito jovem, tornou-se maquinista de trem da companhia ferroviária Noroeste do Brasil e participou do desbravamento do interior paulista.
Casou-se em 1913 com a mineira Ambrosina Nunes Costa (conhecida por todos como Mãe Mulata) e formou com ela uma grande família. Minha avó Maria, que completaria 100 anos em 2018, foi a terceira dos seus 11 filhos.
Aracy relata no texto sobre o avô: “Na cidade de Itapura, sofreu um acidente no trem que conduzia. A locomotiva descarrilou e rolou com ele dentro, parando pouco antes da margem do Rio Tietê. Milagrosamente, só sofreu um corte na testa, causado pela queda de uma chave inglesa que ficava pendurada na frente do maquinista”.
Até hoje a família preserva a cadeira de balanço onde Antônio — chamado pelos familiares de Pai Costa — gostava de ler o jornal todos os dias. Em seu leito de morte, ele abriu os olhos verdes depois de um longo período de inconsciência e disse: — Papai! Mamãe! Agora vejo: não é angústia nem solidão que carrego no peito. É apenas a responsabilidade de carregar em meu nome o nome de Antônio.
Ele voltou para a Casa há exatos 50 anos.
A história de um menino que com sete anos foi deixado num país imenso e desconhecido