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Ficção científica, thriller psicológico, terror e drama estão em ‘Um Lugar Silencioso’
Um prólogo de poucos minutos e o público já recebe a primeira e apavorante informação de que não se trata de mais uma bobagem da máquina hollywoodiana, especializada em aterrorizar plateias com um máximo de parafernália e um mínimo de imaginação. Há uma ação abrupta, um silêncio, um choque e logo o silêncio está de volta. A inteligência do espectador agradece. O cinema também.
A narrativa de “Um Lugar Silencioso” abre três meses depois do que se imagina tenha sido uma invasão extraterrestre, que liquidou grande parte da população mundial. Na cidade, tudo fechado; e num supermercado às moscas uma família busca remédios e utensílios vários. Os personagens são um casal, vividos por John Krasinski e Emily Blunt (estão casados na vida real, e ele é também diretor do filme), e seus três filhos. A teimosia infantil, aliada ao fascínio por um brinquedo barulhento, vai causar um iminente incidente fatal. Quem invadiu a Terra foram alienígenas cegos, mas com capacidade auditiva extraordinária. Para sobreviver, os humanos devem ficar em absoluto silêncio, caso contrário serão sumariamente exterminados.
A ação é retomada depois de um ano. Apesar do luto e da dor pela perda, a mãe novamente grávida reforça a ideia da sobrevivência. O espectador testemunha que a família desenvolveu um complexo e sofisticado sistema de vigilância e autodefesa. Só não podem mesmo é controlar inteiramente acidentes domésticos; e essa possibilidade é geradora de tensão constante, de estresse permanente, em especial no filho – a filha quase adolescente é surda, e é interpretada pela expressiva atriz Millicent Simmonds, surda na vida real. (Na verdade, a personagem se revela hipoacústica, isto é, aquele cuja audição, ainda que deficiente, é funcional com ou sem prótese auditiva.)
Para fugir deste perigo – além do refúgio dotado de recursos inventivos, eles ou sussurram ou se comunicam por linguagem de sinais –, há quase nenhum diálogo em voz alta. Mas presente e futuro silenciosos parecem muito complicados, ainda mais quando se sabe que um bebê está a caminho. De qualquer maneira, roteiro e direção são suficientemente hábeis e inventivos para criar a mais variada gama de situações e climas geradores de muda e genuína tensão. Isto é mais do que evidente na primeira hora da narrativa, conduzida com rara competência e digna de mão de mestre (Hitchcock assinaria sem hesitação): neste contexto, Krasinski se consagra em seu tríplice papel de realizador, coroteirista e coprotagonista com uma notável e original variedade de cinema de gêneros – ficção científica apocalíptica, thriller psicológico, terror e drama familiar (a morte violenta do filho gera um trauma ainda mais difícil de lidar nas circunstâncias).
Sustos contidos e calculados, tensão sufocante e intensidade emocional. Parece simples, mas a grande maioria dos realizadores contemporâneos que enveredam pelo território do medo acaba pecando por excessos ou falta dos ingredientes certos na receita. “Um Lugar Silencioso” lembra (apenas lembra) o que M. Night Shiamalan fez de mais razoável (em “Sinais , por exemplo), como tomar a decisão de se concentrar um único cenário e em poucos personagens. O público recebe informação mínima daquilo que se passa lá fora, mas é o suficiente. O quarteto silencioso de certa forma representa o resto do mundo. O visual e a dramaturgia restritos são compensados por um impecável trabalho sonoro.
O terço final, ou o caos que se instala, traz ressonâncias de “Alien” e “O Predador”, o que só representa méritos por acréscimo. Pode-se levantar, como contestação, um par de casualidades ou improbabilidades na estrutura do roteiro, que poderiam ameaçar a lógica e plausibilidade da narrativa. Mas nada consegue distrair a atenção do espectador, que afinal está diante de uma experiência cinematográfica pura.