VISÃO SOCIAL
Dom Geremias Steinmetz avalia trabalho frente à comunidade católica de Londrina e região e aponta desafios enfrentados pela denominação
Há menos de um ano no comando da Arquidiocese de Londrina, dom Geremias Steinmetz analisa desafios enfrentados hoje pela Igreja Católica
Há menos de um ano no comando da Arquidiocese de Londrina, o arcebispo metropolitano dom Geremias Steinmetz tem enfrentado com otimismo os desafios da nova função. Acolheu o 14º Intereclesial das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base), evento que reuniu 3.000 pessoas em Londrina, e tem procurado impulsionar trabalhos importantes como a Pastoral Social e a formação de novos padres.
Nesta entrevista, ele detalha as atividades desenvolvidas na arquidiocese e destaca sua visão sobre temas como a liderança do papa Francisco e a necessidade que a Igreja Católica em dar mais atenção às periferias, tanto geográficas quanto as existenciais. “Jesus mesmo disse: ‘Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância’ ( João 10,10). Essa vida não é somente uma vida espiritual, mas também a Doutrina Social da Igreja, isto é, o ensinamento e visão magisterial da organização da sociedade humana”, afirma o arcebispo, que por mais de seis anos foi bispo na Diocese de Paranavaí, antes de ser designado para a Arquidiocese de Londrina.
Como o sr. define o trabalho que tem desenvolvido à frente da Arquidiocese de Londrina?
O grande desafio de agora em diante é promover, através de um grande diálogo, uma síntese pastoral. O 16º Plano Arquidiocesano da Ação Evangelizadora, que teve vigência de 2014 a 2017, foi “atropelado” pelo trabalho das Santas Missões Populares que aconteceram em vista da preparação ao 14º Intereclesial das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base). Isso deu muito trabalho. De modo que nem foi possível colocar em prática todas as sugestões do 16º Plano.
No meio disso tudo, veio uma grande novidade: o papa Francisco, com seu jeito muito sintético, muito prático de falar, cheio de inspiradoras sugestões.
Essa caminhada de preparação tem sido realizada por meio de assembleias e pré-assembleias. Já teve uma pré-assembleia a respeito do 14º Intereclesial. Já teve suas conclusões. Teremos ainda uma assembleia sobre as Santas Missões Populares, e a última sobre o Plano de Ação Pastoral.
Algumas coisas já estão em andamento. A Pastoral da Vocacional, a formação dos futuros presbíteros nos seminários, que precisavam de um “up”, para realmente ser um espaço da educação integral de novos padres. Depois, as visitas às paróquias, com um intenso contato com os leigos.
Quais as principais carências da comunidade londrinense?
São várias as carências. Vamos dizer de maneira bem concreta. A Pastoral Familiar precisa de um grande impulso, precisa colocar-se mais dentro das grandes questões postas pelo papa Francisco no seu documento “Amoris Laetitia” [exortação apostólica publicada pelo papa Francisco em abril de 2016], cheio de sugestões interessantes sobre a dimensão e verdade da família. A Pastoral Familiar de Londrina precisa aproveitar mais o eixo desse documento que aborda realidades sofridas que exigem acolhida, esperança e fé.
A nossa Pastoral Social precisa ser mais organizada. Porque ser justo na caridade é uma coisa muito difícil. Caridade não é simplesmente dar ao outro o que ele quer, é dar ao outro aquilo que ele precisa para viver plenamente com dignidade. Mas é muito difícil ter essa compreensão.
Quais são as principais frentes da Pastoral Social?
Temos, entre tantas frentes, por exemplo, a Cáritas Arquidiocesana, que trabalha muito com a educação, com os migrantes, campanhas ecológicas, arrecadação de alimentos e roupas, encaminhamentos profissionais. Também há muitas creches, escolas e asilos. Tudo isso é Pastoral Social.
É preciso dar mais atenção às periferias das cidades. Em Londrina, temos uma periferia “da pesada”. Precisamos de mais padres dedicados à periferia. O elemento humano que está na periferia tem outro modo de ver a realidade em comparação a quem está no centro da cidade e vive em um lugar mais protegido, mais confortável. Onde, por exemplo, o asfalto é mais bonito e as escolas são mais bem organizadas. Isso e outras características fazem muita diferença.
E não esqueçamos que não é só Londrina. Temos Londrina, Cambé, Rolândia, Ibiporã. São praticamente uma só cidade. São quatro municípios, mas estão interligados.
A preocupação social que o sr. demonstra tem também a ver com o fato do papa Francisco ser o líder da Igreja Católica?
Essa preocupação sempre existiu. A Igreja, pregadora do Evangelho, percebe cada vez mais a importância de uma boa Pastoral Social, de uma convincente Pastoral Social. O Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo é cheio de elementos que nos convocam para a Pastoral Social. Para olharmos para o pobre, para aquele que tem dificuldades e oferecer nosso amor e generosidade.
O papa Francisco usa muito as seguintes expressões: periferia geográfica e periferias existenciais. O que são periferias existenciais?
São os doentes, eles estão numa periferia existencial. E pior ainda os que não têm atendimento digno. Outra realidade de periferia existencial é o problema da depressão. Também a presença dos jovens no mundo das drogas. Além das pessoas que se sentem como que descartáveis. A pessoa não é deixada de lado porque não produz, ela simplesmente é deixada fora do processo, da sociedade. Esse é um grande problema, especialmente no mundo contemporâneo.
Como o sr. avalia a participação de movimentos sociais na Igreja Católica nesse momento de ebulição política do País?
A política partidária é pertencer a um partido político e labutar, lutar, pela ideologia desse partido. Assim acontece com todos os filiados a partidos.
Mas temos que compreender também a outra política, o outro modo de ver política que é o da organização comunitária. Dos pobres, dos necessitados, da organização das pessoas para buscarem seus objetivos. Os conselhos municipais, organizações de agricultores, trabalhadores, estudantes, operários, as diferentes classes, pescadores, as pessoas sem moradia, precisam se organizar. A organização do povo é sinal de força da comunidade. Assim a manipulação é cada vez mais distante.
Os documentos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) destacam a quinta urgência: a Igreja a serviço da vida plena para todos. Então a Igreja, como ela não é partidária, é muito procurada com os grupos de organização social que defendem a vida humana e o bem de todas as criaturas. É isso que se fala na sede da CNBB em Brasília.
Isso também foi levado em conta no 16° Plano Arquidiocesano de Ação Evangelizadora de Londrina. A Igreja a serviço da vida. Promover a opção pelos pobres, incentivar a dimensão profética, despertar a consciência política sem partidarismos. Defender a vida desde o surgimento até o seu fim natural. O por que a Igreja se posiciona contra o aborto, contra a eutanásia? Porque é o início da vida e o fim da vida.
Qualasuaanálisesobreaspolêmicas em relação ao suposto engajamento político no 14º IntereclesialdasCEBs,realizadoem Londrina no final de janeiro?
O 14º Intereclesial das CEBs foi um sucesso do ponto de visa da organização, da logística, dos espaços, das plenárias, das mini plenárias, da reflexão, dos questionamentos. Tinha uma temática muito importante para a realidade em que vivemos, que são as comunidades eclesiais de base e os desafios do mundo urbano. O Brasil hoje é urbano. Mais de 80% da população vivem nas cidades. O fato é que nem todas as pessoas conseguem usufruir das riquezas da urbanidade.
Muitas pessoas sofrem as consequências negativas do urbano: a violência, a falta de transporte, a baixa qualidade das escolas. O problema das favelas, o problema dos relacionamentos humanos, as intolerâncias, as brigas. Muitas pessoas só vivem isso.
As CEBs anunciaram que o urbano é para todas as pessoas. Todas as pessoas devem ter direito de usufruir das maravilhas do mundo urbano.
As CEBs são um movimento social-político. No evento, havia participação político-partidária. A maioria participa de organizações sociais, tais como sindicatos, associações de bairros, de agricultores, de pescadores, em defesa da ecologia, ribeirinhos, conselhos de direitos dos municípios. Essa participação é incentivada pelas CEBs. A evangelização dos pobres exige passar por suas lutas em defesa da vida humana. E é muito bom que a Igreja Católica esteja presente em organizações que defendem a vida, a família, as crianças, os jovens, os idosos, os pobres.
Nós, da CNBB, somos chamados para estarmos mais presentes nos conselhos de direitos dos municípios, conselho da criança, do idoso, do jovem, da saúde. O conselho municipal de saúde, por exemplo, se fizer bem o seu trabalho, tem o poder de exercer forte influência sobre a administração pública. Isso não é política partidária, mas é política em sentido pleno e natural.
No entanto, fugiu do controle da organização das CEBs que o evento em Londrina coincidiu com a marcação do julgamento do ex-presidente Lula em Porto Alegre. O 14º estava marcado muito antes da marcação do julgamento de Lula.
Havia três propostas para se dar uma certa visibilidade a essa questão. Primeira: fazer uma passeata pelo centro de Londrina naquela quarta-feira de manhã. Essa proposta não foi aprovada. Outra era um abraço no ginásio de esportes Moringão, o que foi feito. Depois, uma terceira proposta, que foi aprovada, era a palavra de alguém em defesa da democracia. As CEBs não são partidárias, mas são democráticas.
O que foi aprovado: alguém diria alguma coisa em defesa da democracia e seria feito um minuto de silêncio. E é isso que foi feito. Quem falou em defesa da democracia foi o Frei Betto e foi feito um minuto de silêncio. Essa foi a manifestação política.
Contudo, diante do contexto de intolerância que se desenvolveu em Londrina, eu pedi que faixas de apoio a partidos fossem retiradas do ambiente onde as principais atividades do evento estavam sendo realizadas. A polêmica foi construída. Mas eu continuo sereno e esperando os que tanto acusam a arquidiocese, o arcebispo, as CEBs, para que possam vir conversar, olho no olho. Vamos conversar sobre os Evangelhos, sobre o Concílio Vaticano II, sobre os papas, João 23, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI e especialmente o papa Francisco e vamos então discutir a eclesiologia que eles nos apresentam.
Estamos trabalhando seriamente e vamos continuar trabalhando com fé, esperança e caridade. Não vamos desistir. A Igreja sabe a sua missão. O arcebispo de Londrina conhece muito bem a sua missão. Essa provocação, vamos dizer assim, está aberta. Mas vamos discutir qual é a melhor eclesiologia. Sem radicalismos, sem falsas acusações, vamos ver exatamente o que a Igreja espera, enquanto peregrina nesse mundo.
O sr. nunca foi procurado para conversar?
Essa é uma questão muito interessante. Pelos autores das acusações e polêmicas, não.
Leia entrevista completa utilizando aplicativo capaz de ler QR Code e posicionando no código abaixo: