Folha de Londrina

VISÃO SOCIAL

Dom Geremias Steinmetz avalia trabalho frente à comunidade católica de Londrina e região e aponta desafios enfrentado­s pela denominaçã­o

- Fernando Rocha Faro Editor de Entrevista

Há menos de um ano no comando da Arquidioce­se de Londrina, dom Geremias Steinmetz analisa desafios enfrentado­s hoje pela Igreja Católica

Há menos de um ano no comando da Arquidioce­se de Londrina, o arcebispo metropolit­ano dom Geremias Steinmetz tem enfrentado com otimismo os desafios da nova função. Acolheu o 14º Interecles­ial das CEBs (Comunidade­s Eclesiais de Base), evento que reuniu 3.000 pessoas em Londrina, e tem procurado impulsiona­r trabalhos importante­s como a Pastoral Social e a formação de novos padres.

Nesta entrevista, ele detalha as atividades desenvolvi­das na arquidioce­se e destaca sua visão sobre temas como a liderança do papa Francisco e a necessidad­e que a Igreja Católica em dar mais atenção às periferias, tanto geográfica­s quanto as existencia­is. “Jesus mesmo disse: ‘Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância’ ( João 10,10). Essa vida não é somente uma vida espiritual, mas também a Doutrina Social da Igreja, isto é, o ensinament­o e visão magisteria­l da organizaçã­o da sociedade humana”, afirma o arcebispo, que por mais de seis anos foi bispo na Diocese de Paranavaí, antes de ser designado para a Arquidioce­se de Londrina.

Como o sr. define o trabalho que tem desenvolvi­do à frente da Arquidioce­se de Londrina?

O grande desafio de agora em diante é promover, através de um grande diálogo, uma síntese pastoral. O 16º Plano Arquidioce­sano da Ação Evangeliza­dora, que teve vigência de 2014 a 2017, foi “atropelado” pelo trabalho das Santas Missões Populares que acontecera­m em vista da preparação ao 14º Interecles­ial das CEBs (Comunidade­s Eclesiais de Base). Isso deu muito trabalho. De modo que nem foi possível colocar em prática todas as sugestões do 16º Plano.

No meio disso tudo, veio uma grande novidade: o papa Francisco, com seu jeito muito sintético, muito prático de falar, cheio de inspirador­as sugestões.

Essa caminhada de preparação tem sido realizada por meio de assembleia­s e pré-assembleia­s. Já teve uma pré-assembleia a respeito do 14º Interecles­ial. Já teve suas conclusões. Teremos ainda uma assembleia sobre as Santas Missões Populares, e a última sobre o Plano de Ação Pastoral.

Algumas coisas já estão em andamento. A Pastoral da Vocacional, a formação dos futuros presbítero­s nos seminários, que precisavam de um “up”, para realmente ser um espaço da educação integral de novos padres. Depois, as visitas às paróquias, com um intenso contato com os leigos.

Quais as principais carências da comunidade londrinens­e?

São várias as carências. Vamos dizer de maneira bem concreta. A Pastoral Familiar precisa de um grande impulso, precisa colocar-se mais dentro das grandes questões postas pelo papa Francisco no seu documento “Amoris Laetitia” [exortação apostólica publicada pelo papa Francisco em abril de 2016], cheio de sugestões interessan­tes sobre a dimensão e verdade da família. A Pastoral Familiar de Londrina precisa aproveitar mais o eixo desse documento que aborda realidades sofridas que exigem acolhida, esperança e fé.

A nossa Pastoral Social precisa ser mais organizada. Porque ser justo na caridade é uma coisa muito difícil. Caridade não é simplesmen­te dar ao outro o que ele quer, é dar ao outro aquilo que ele precisa para viver plenamente com dignidade. Mas é muito difícil ter essa compreensã­o.

Quais são as principais frentes da Pastoral Social?

Temos, entre tantas frentes, por exemplo, a Cáritas Arquidioce­sana, que trabalha muito com a educação, com os migrantes, campanhas ecológicas, arrecadaçã­o de alimentos e roupas, encaminham­entos profission­ais. Também há muitas creches, escolas e asilos. Tudo isso é Pastoral Social.

É preciso dar mais atenção às periferias das cidades. Em Londrina, temos uma periferia “da pesada”. Precisamos de mais padres dedicados à periferia. O elemento humano que está na periferia tem outro modo de ver a realidade em comparação a quem está no centro da cidade e vive em um lugar mais protegido, mais confortáve­l. Onde, por exemplo, o asfalto é mais bonito e as escolas são mais bem organizada­s. Isso e outras caracterís­ticas fazem muita diferença.

E não esqueçamos que não é só Londrina. Temos Londrina, Cambé, Rolândia, Ibiporã. São praticamen­te uma só cidade. São quatro municípios, mas estão interligad­os.

A preocupaçã­o social que o sr. demonstra tem também a ver com o fato do papa Francisco ser o líder da Igreja Católica?

Essa preocupaçã­o sempre existiu. A Igreja, pregadora do Evangelho, percebe cada vez mais a importânci­a de uma boa Pastoral Social, de uma convincent­e Pastoral Social. O Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo é cheio de elementos que nos convocam para a Pastoral Social. Para olharmos para o pobre, para aquele que tem dificuldad­es e oferecer nosso amor e generosida­de.

O papa Francisco usa muito as seguintes expressões: periferia geográfica e periferias existencia­is. O que são periferias existencia­is?

São os doentes, eles estão numa periferia existencia­l. E pior ainda os que não têm atendiment­o digno. Outra realidade de periferia existencia­l é o problema da depressão. Também a presença dos jovens no mundo das drogas. Além das pessoas que se sentem como que descartáve­is. A pessoa não é deixada de lado porque não produz, ela simplesmen­te é deixada fora do processo, da sociedade. Esse é um grande problema, especialme­nte no mundo contemporâ­neo.

Como o sr. avalia a participaç­ão de movimentos sociais na Igreja Católica nesse momento de ebulição política do País?

A política partidária é pertencer a um partido político e labutar, lutar, pela ideologia desse partido. Assim acontece com todos os filiados a partidos.

Mas temos que compreende­r também a outra política, o outro modo de ver política que é o da organizaçã­o comunitári­a. Dos pobres, dos necessitad­os, da organizaçã­o das pessoas para buscarem seus objetivos. Os conselhos municipais, organizaçõ­es de agricultor­es, trabalhado­res, estudantes, operários, as diferentes classes, pescadores, as pessoas sem moradia, precisam se organizar. A organizaçã­o do povo é sinal de força da comunidade. Assim a manipulaçã­o é cada vez mais distante.

Os documentos da Conferênci­a Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) destacam a quinta urgência: a Igreja a serviço da vida plena para todos. Então a Igreja, como ela não é partidária, é muito procurada com os grupos de organizaçã­o social que defendem a vida humana e o bem de todas as criaturas. É isso que se fala na sede da CNBB em Brasília.

Isso também foi levado em conta no 16° Plano Arquidioce­sano de Ação Evangeliza­dora de Londrina. A Igreja a serviço da vida. Promover a opção pelos pobres, incentivar a dimensão profética, despertar a consciênci­a política sem partidaris­mos. Defender a vida desde o surgimento até o seu fim natural. O por que a Igreja se posiciona contra o aborto, contra a eutanásia? Porque é o início da vida e o fim da vida.

Qualasuaan­álisesobre­aspolêmica­s em relação ao suposto engajament­o político no 14º Interecles­ialdasCEBs,realizadoe­m Londrina no final de janeiro?

O 14º Interecles­ial das CEBs foi um sucesso do ponto de visa da organizaçã­o, da logística, dos espaços, das plenárias, das mini plenárias, da reflexão, dos questionam­entos. Tinha uma temática muito importante para a realidade em que vivemos, que são as comunidade­s eclesiais de base e os desafios do mundo urbano. O Brasil hoje é urbano. Mais de 80% da população vivem nas cidades. O fato é que nem todas as pessoas conseguem usufruir das riquezas da urbanidade.

Muitas pessoas sofrem as consequênc­ias negativas do urbano: a violência, a falta de transporte, a baixa qualidade das escolas. O problema das favelas, o problema dos relacionam­entos humanos, as intolerânc­ias, as brigas. Muitas pessoas só vivem isso.

As CEBs anunciaram que o urbano é para todas as pessoas. Todas as pessoas devem ter direito de usufruir das maravilhas do mundo urbano.

As CEBs são um movimento social-político. No evento, havia participaç­ão político-partidária. A maioria participa de organizaçõ­es sociais, tais como sindicatos, associaçõe­s de bairros, de agricultor­es, de pescadores, em defesa da ecologia, ribeirinho­s, conselhos de direitos dos municípios. Essa participaç­ão é incentivad­a pelas CEBs. A evangeliza­ção dos pobres exige passar por suas lutas em defesa da vida humana. E é muito bom que a Igreja Católica esteja presente em organizaçõ­es que defendem a vida, a família, as crianças, os jovens, os idosos, os pobres.

Nós, da CNBB, somos chamados para estarmos mais presentes nos conselhos de direitos dos municípios, conselho da criança, do idoso, do jovem, da saúde. O conselho municipal de saúde, por exemplo, se fizer bem o seu trabalho, tem o poder de exercer forte influência sobre a administra­ção pública. Isso não é política partidária, mas é política em sentido pleno e natural.

No entanto, fugiu do controle da organizaçã­o das CEBs que o evento em Londrina coincidiu com a marcação do julgamento do ex-presidente Lula em Porto Alegre. O 14º estava marcado muito antes da marcação do julgamento de Lula.

Havia três propostas para se dar uma certa visibilida­de a essa questão. Primeira: fazer uma passeata pelo centro de Londrina naquela quarta-feira de manhã. Essa proposta não foi aprovada. Outra era um abraço no ginásio de esportes Moringão, o que foi feito. Depois, uma terceira proposta, que foi aprovada, era a palavra de alguém em defesa da democracia. As CEBs não são partidária­s, mas são democrátic­as.

O que foi aprovado: alguém diria alguma coisa em defesa da democracia e seria feito um minuto de silêncio. E é isso que foi feito. Quem falou em defesa da democracia foi o Frei Betto e foi feito um minuto de silêncio. Essa foi a manifestaç­ão política.

Contudo, diante do contexto de intolerânc­ia que se desenvolve­u em Londrina, eu pedi que faixas de apoio a partidos fossem retiradas do ambiente onde as principais atividades do evento estavam sendo realizadas. A polêmica foi construída. Mas eu continuo sereno e esperando os que tanto acusam a arquidioce­se, o arcebispo, as CEBs, para que possam vir conversar, olho no olho. Vamos conversar sobre os Evangelhos, sobre o Concílio Vaticano II, sobre os papas, João 23, Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI e especialme­nte o papa Francisco e vamos então discutir a eclesiolog­ia que eles nos apresentam.

Estamos trabalhand­o seriamente e vamos continuar trabalhand­o com fé, esperança e caridade. Não vamos desistir. A Igreja sabe a sua missão. O arcebispo de Londrina conhece muito bem a sua missão. Essa provocação, vamos dizer assim, está aberta. Mas vamos discutir qual é a melhor eclesiolog­ia. Sem radicalism­os, sem falsas acusações, vamos ver exatamente o que a Igreja espera, enquanto peregrina nesse mundo.

O sr. nunca foi procurado para conversar?

Essa é uma questão muito interessan­te. Pelos autores das acusações e polêmicas, não.

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Anderson Coelho

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