Folha de Londrina

'En não vou PARAR NUNCA'

Depois de perder tudo o que tinha mais de uma vez, fundadora de marca regional de geleias relembra sua trajetória sempre em busca de desafios

- Érika Gonçalves Reportagem Local

Ela chega pontualmen­te às 9h30 para a entrevista. A fala tranquila e suave não esconde sua empolgação com mais uma Feira de Sabores sendo realizada durante a ExpoLondri­na 20 18, onde além de trabalhar em um estande também auxilia na coordenaçã­o do evento. Mesmo com a movimentaç­ão intensa, ela tira um tempo para contar um pouco de sua vida para a reportagem da FO LHA. E quantas histórias! Anete Barison Dal Sasso, a fundadora das Geleias Duga, aprendeu a recomeçar mais de uma vez, depois de perder todos os bens.

Filha de uma família de comerciant­es pioneiros de uma cidadezinh­a do interior de Santa Catarina, ela conta que sonhava em ser escritora. Andava sempre bem arrumada, com fixador nos cabelos e roupa impecável. Casou-se com Ildo Dal Sasso, que juntamente com a família era dono de uma malharia em Santa Catarina. A vida começou a mudar quando, depois da lua de mel, a família do marido decidiu encerrar o negócio de malhas e ir para o interior de São Paulo, para administra­r o restaurant­e de um posto de gasolina.

“Chegando lá, não tinha casa naquela vila. Acabamos indo parar num hotel, onde os caminhonei­ros levavam as companheir­as, o banheiro era compartilh­ado, não tinha lugar nem para pendurar uma toalha, imagina o choque. Ficamos ali uns dois meses até conseguir um lugar. Foi muito chocante, mas aquela era a minha vida, eu não ia voltar para a casa dos meus pais”, conta.

Depois de algum tempo, a família resolveu retomar a malharia, já na capital paulista, mas foi preciso reaprender a trabalhar. Se no Sul faziam produtos de alta qualidade, em São Paulo a demanda era por peças mais populares. Ela conta que foi fazer curso de modelagem, mesmo a contragost­o. Era apenas mais uma função que assumia nos negócios familiares. “Nessa época tive meu segundo filho. De manhã eu preparava lanche, fraldas e levava eles comigo. Meus filhos cresceram dentro das caixas de malha”, diz.

Parte da produção era comerciali­zada nos sítios e cidades do Norte do Paraná, onde moravam parentes de Anete. Em 1974 a família ganhou um terreno para poder empreender, desmontou a fábrica e inaugurou a nova empresa em Rolândia.

“Chegamos aqui em 7 de abril de 1975. Nós montamos a fábrica e começamos a trabalhar. Eu me lembro que o frio era tanto que uma das máquinas nem andava. Quebramos muitas agulhas porque ia de ‘soquinho’. Fizemos uma equipe de trabalho maravilhos­a, hoje praticamen­te 70 % dela são empresário­s, eu fico muito feliz. Tivemos 45 funcionári­os e fomos a primeira indústria que terceirizo­u o serviço, já tínhamos experiê ncia de São Paulo.”

CRISE E RESISTÊNCI­A

Anete conta que tempos depois muitas empresas começaram a fechar, depois da crise nas empresas Matarazzo, de São Paulo, e a malharia da família também encerrou as atividades. O casal usou as máquinas para pagar os funcionári­os. Um amigo da família ofereceu então uma loja para eles. Lá vendiam não somente malhas, mas aviamentos, moldes, máquinas e tudo mais necessário para a confecção. Também eram oferecidos cursos de modelagem e, segundo ela, muitas confeccion­istas se formaram em Rolândia.

A loja ia bem, mas a abertura dos portos fez com que as mercadoria­s importadas com baixo custo invadissem o comércio, através das lojas de R$ 1,99. Se antes eram vendidos rolos de malha, agora as pessoas compravam pequenos pedaços para costurar para a família.

“Meu marido resistiu em mudar e aí ficamos sem nada. No dia 11 de setembro de 20 0 1 decidimos fechar. Guardei a data porque enquanto guardávamo­s as malhas, chegou uma senhora para comprar aviamento e falou sobre o atentado nos Estados Unidos. Mas no fim, tudo foi bom. Eu não gostava de fazer aquilo (trabalhar com malhas), tinha outra coisa dentro de mim que ainda não tinha descoberto. Eu queria ser escritora. Uma menina de nariz empinado, que achava que sabia das coisas. Eu tenho uma foto dela na minha sala, e aí eu olho para ela e digo ‘querida, como você era louca’. Eu não gostava dela, ela não tinha se definido ainda”, conta.

COMPOTA DE ABÓBORA

Novamente o casal precisou descobrir uma nova fonte de renda. Foi então que ela se lembrou que sabia fazer geleias. O marido também tinha aprendido ainda criança, quando ajudava a mãe a mexer os tachos de doce. “Ele tinha sido criado como um homem daquele tempo e teve que arregaçar as mangas para me ajudar. Foi a partir daí que me senti gente. Eu entrei na cozinha porque sabia fazer, eu sempre acompanhei minha avó paterna, ela era uma cozinheira extraordin­ária.”

O primeiro doce feito para venda foi uma compota de abóbora, com frutos doados por um amigo. Com visão empreended­ora, Anete diz que foi buscar informaçõe­s sobre as sementes e descobriu que tinham diversos benefícios. Ela torrou e salgou as castanhas, fez um pacotinho e amarrou no gargalo do vidro. As vendas correram bem, mas abrindo um dos vidros restantes tempo depois, o casal percebeu que o doce havia estragado. Foi então que buscaram ajuda da Emater e aprenderam todo o processo para garantir a qualidade dos produtos.

‘NARIZ NO CHÃO’

Nesse meio tempo, sem dinheiro, foi preciso ir morar com um dos filhos, já casado. “Eu bati com o nariz no chão, tive que me resgatar mesmo, por isso eu digo que a gente encontra as forças só numa ocasião dessa, você tem que tirar seus talentos de onde eles estão.” Mas foram surgindo os convites para as feiras, novos produtos foram sendo criados, inclusive receitas salgadas. O s produtos ganharam uma identidade visual e um nome: Duga, o apelido carinhoso pelo qual o casal se tratava. A empresária conta que tempos depois, durante uma madrugada de muito trabalho junto a panelas e doces, descobriu que o nome carregava em si outros significad­os: determinaç­ão, união, garra e amor.

Em 20 0 7, Anete ficou viúva e mais uma vez contou com a colaboraçã­o de amigos e parentes para levar a empresa adiante. Foram sete anos de muito trabalho e prosperida­de, mas sem a possibilid­ade de passar o comando do negócio para a família, com todos envolvidos em projetos pessoais, ela decidiu vender a empresa. O negócio foi concretiza­do em março de 20 17 e agora Anete atua como uma espécie de assessora da marca, onde deve permanecer até 20 20 .

“Tenho a responsabi­lidade de criar coisas novas e tenho tempo para criar. Nas horas vagas pesquiso receitas e sabores em livros e na internet e pretendo cursar Tecnologia de Alimentos, no Senai. Se não der certo, também posso fazer Gastronomi­a. E também sou a secretária da coordenaçã­o da Feira de Sabores. Além disso, estou escrevendo um livro com as histórias das receitas. Eu não vou ficar parada nunca”, garante.

Chegamosaq­uiem 7deabrilde­1975. Montamos a fábrica e começamos a trabalhar. L embroque o frio era tanto que umadas máquinas nem andava’ Eu nã o g osta va defa zer a quilo (tra b a lh a r com m a lh a s), tinh a outra coisa dentro dem im quea inda nã o tinh a descoberto. Eu queria ser escritora’

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Anderson Coelho “Você tem que tirar seus talentos de onde eles estão”, diz Anete Barison Dal Sasso, que há anos marca presença na Feira de Sabores da ExpoLondri­na, com suas produções artesanais

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