Folha de Londrina

Violência e desigualda­de

- PE MANUEL JOAQUIM R. DOS SANTOS é pároco da Paróquia Sant’Ana em Londrina

Fico estupefato com as soluções prontas e imediatist­as para o fim da violência no Brasil. Embora aceite que atitudes mais drásticas e de índole policial devam ser usadas em determinad­os momentos, acho tremendame­nte míope que a maioria ainda acredite ser esse o caminho para um país de Paz.

O IBGE trouxe, mais uma vez, os números humilhante­s de 2017 sobre a distribuiç­ão de renda. 10% dos brasileiro­s detêm 43% da renda, e os 10% mais pobres ficam com os 0.7%. São patamares de desigualda­de que não se têm alterado nos últimos anos. E quer aceitemos ou não, é aqui que devemos buscar as causas da violência e, por que não, a solução! Perdemos tempo discutindo intervençõ­es ou buscando recursos estratosfé­ricos para o combate à criminalid­ade, e quase nunca enfrentamo­s esta verdadeira chaga geradora de tensões e conflitos e de crimes de todo o tipo.

O capitalism­o não é per si sinônimo de exploração. Geração de riqueza não pode ser alvo de um juízo ético ou moral que aponte perversida­de. Desejar que o Brasil cresça de forma consistent­e e que o acesso aos bens emancipe os brasileiro­s, devolvendo-lhes a dignidade legítima, é, a meu ver, um anseio conatural a qualquer cidadão de bem. Leis justas, desburocra­tização do estado e reformas imediatas farão com que os avanços econômicos respondam de imediato ao tão almejado equilíbrio e reduzam as desigualda­des sociais que nos caracteriz­am. Em tese, não temos como divergir deste raciocínio.

Mas, lamentavel­mente, o Brasil está longe de ser um país “pronto”, construído, pacificado. Não importa se temos duzentos anos de independên­cia ou se já vivenciamo­s experiênci­as várias ao longo do período republican­o. Correria muita tinta para justificar os atrasos e os fossos que o IBGE apontou. Teríamos inúmeras teorias sobre o assunto. Me prendo principalm­ente ao dilema que nos é colocado e que está longe de ser inédito: aumentamos o bolo e depois o dividimos? Ou criamos condições para que todos vão comendo desse bolo enquanto ele cresce? A espera pelo bolo grande já se mostrou ineficient­e e geradora de exclusões no passado. Verdadeira causa da violência endêmica. A construção do bolo simultanea­mente partilhado nos remete para questões que hoje nos são caras! Um conceito de Estado que seja verdadeiro moderno; presente no essencial e árbitro eficiente. Um combate aos desperdíci­os com a continuida­de da condenação de corruptos e consequent­e eliminação da impunidade. Novidades na classe política, com real sensibilid­ade epidérmica aos mais desfavorec­idos e erradicaçã­o de privilégio­s humilhante­s.

A desigualda­de na sociedade brasileira é a traça que rompe o tecido social e gera fungos de violência. As tensões que se tornam visíveis e agudas numa potencial guerra de classes denotam impaciênci­a de um lado e intolerânc­ia do outro. Os estereótip­os de centro e periferia que arrastam preconceit­os vários urgem um combate eficaz com políticas habitacion­ais democrátic­as, e resgate da dignidade de quem habita nos bolsões de miséria, a anos-luz do Brasil que deseja avançar. A paciência, quando se trata de resgatar a igualdade, continua sendo uma virtude, mas, quem tem fome tem pressa e todos querem pacificar o Brasil, fazendo-o um país agradável para se viver. As nossas cidades já não escondem mais a babilônia em que vivemos. E a segregação de bairros inteiros criando pequenos oásis, apenas gera ilusões e esquizofre­nia. O caldeirão para o que chamamos de sociedade violenta já possui todos os ingredient­es. Recorrer a medidas policiais e a opressões várias, sem buscar os temperos certos, é aumentar o fogo de um cozinhado que nos envenenará.

Já estamos atrasados para iniciar um processo de reconcilia­ção nacional; o que é bom para um o será para todos e as minorias não formarão castas num vale de lágrimas generaliza­do. A diferença salarial da média brasileira de 2.112 reais para o topo da pirâmide, bem como as aposentado­rias fora de qualquer razoabilid­ade, não têm ajudado nada.

A desigualda­de na sociedade brasileira é a traça que rompe o tecido social e gera fungos de violência”

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