AVENIDA PARANÁ
Estou me preparando para jogar xadrez com meu filho e, assim, reencontrar meu pai
Hoje meu filho faz 8 anos. Até ontem ele era um bebê; hoje é um menino vivaz e amoroso, que fala sobre os países do mundo, adora ouvir histórias de mitologia e está aprendendo a jogar xadrez.
As aulas de xadrez do Pedro despertam-me recordações queridas. Quando morávamos em São Paulo, todas as noites meu pai jogava xadrez comigo. Depois do jantar, colocávamos o tabuleiro sobre a mesa da sala e ordenávamos as peças, sob o facho de uma luminária alaranjada. Lá fora, a metrópole emitia os sons e as luzes noturnas; se um carro de polícia passava coma sirene aberta pela Alameda Barão de Limeira, me upai não perdia apiada: — O delegado está indo jantar... A partida começava. Depois de alguns minutos, Paulo sempre estava em nítida vantagem. Ele era umbomjog ador. Eja mais—jamais—absteve-sede jogara sério. Hoje eu percebo que jogar xadrez, para ele, e rau mafor made me ensinara viver. Umadas muitas formas de que e lese vali ano papel de pai. Penso em nós dois, debruçados diante do tabuleiro — e a minha consciência inteira assume aforma de saudade.
Depois do inevitável xeque-mate, Paulo me contava histórias sobre os grandes enxadristas da história, entre eles Capablanca, Alekhine, Bobby Fischer e o brasileiro Mequinho. Na época, acompanhamos pelo jornal a histórica sequência de duelos entre os russos Karpov e Korchnoi. Quem assinava as colunas sobre a disputa era o enxadrista brasileiro Herbert Carvalho, que chegamos aconhecer pessoalmente. Tive algumas aulas com Herbert, mas de pouco adiantou: continuei a ser um jogador medíocre.
Pedro faz 8 anos. O tabuleiro de xadrez é composto por oito fileiras (verticais) e oito colunas (horizontais). Neste pequeno universo quadriculado, movimentam-se as personagens dessa guerra silenciosa: Reis, Damas, Cavalos, Bispos, Torres e Peões. Cada um deles possui um simbolismo riquíssimo e representa diferentes desafios que enfrentamos durante avida. Movemos Peões que avançam um passo de cada veze com
Na infância, meu pai jogava xadrez comigo todas as noites. Agora, quero jogar com meu filho
coragem abrem caminhos; movemos Torres que divisam o horizonte da realidade; movemos Bispos que representam a tensão do homem entre a matéria e o espírito; movemos Cavalos que saltam os obstáculos do percurso; movemos Damas que guerreiam com fortaleza em todas as direções; movemos Reis que guardam o que há de mais precioso na vida: a própria vida.
O xadrez é um jogo de sacrifício e atenção; de prudência e intuição; de autodomínio e desapego. Talvez por isso a grande Santa Teresa de Ávila tenha recomendado a prática do jogo às freiras de seu tempo. Pensando bem, a vida espiritual se parece mesmo um jogo em que tentamos um dar um xeque-mate em nós mesmos — em nossas hesitações, angústias e medos.
Agora, estou me preparando para jogar xadrez com meu filho e, assim, reencontrar meu pai. Tenho esperança de um dia estarmos todos lá, sob a luz de Deus, no grande tabuleiro da eternidade.
Parabéns, meu filho. O lance é seu.