O CINÉFILO FIEL
Novo filme de Wim Wenders traz história de personagens e lugares, de rostos e fundo do mar, com um discurso político
Em “Submersão”, Wim Wenders proporciona uma viagem ao mais fundo dos personagens
Aesta altura da projeção, os fieis cinéfilos que acompanham este cinéfilo fiel já concluíram que me interessam cada vez menos os filmes que me dizem muito pouca coisa ou nada, aquela maioria que nasce na bilheteria e morre na porta de saída. E como não é todo dia que um multiplex pipoqueiro se arrisca exibindo um título com assinatura veneranda como a do alemão Wim Wenders, é preciso sim, falar sobre este acontecimento, mesmo que o velho cineasta de “Paris, Texas” e “Asas do Desejo” tenha neste “Submersão” (em exibição em uma única sala do circuito local) se deixado levar pelo excesso metafórico e pelo academicismo.
Nas últimas décadas, o cinema de Wenders se converteu em autêntica montanha russa, ficando difícil seguir suas pistas. Não pela dificuldade para ver seus filmes, mas pela estranha sensação de que quase nunca sabemos o que vamos em encontrar na tela. Houve um longo período em que Wenders, hoje com 72 anos, era cineasta chave, aquele tempo de “Alice nas Cidades”, “O Amigo Americano”, “O Estado das Coisas”, “Paris, Texas” e “Toquio-Ga”. Mas a partir de “Até o Fim do Mundo” (1991), as coisas foram ficando nebulosas. Os seus títulos de ficção deixavam dúvidas sobre qual Wenders iríamos ver. Os altos e baixos se sucederam com alarmante frequência. A única certeza era que, ao manejar o documentário – de “Buena Vista Social Clube” a “O Sal da Terra”, de “The Soul of a Man” a “Pina” –, era este gênero que o cineasta alemão melhor explorava.
Neste “Submersão”, ele parece querer ir fundo em raízes literárias, no caso o texto original de J.M. Ledgard, recémeditado no Brasil. É um relato partido em dois, no qual emergem dois narradores. Um casal que , após encontro casual e intenso romance num charmoso hotel na costa atlântica francesa, se separa embora mantendo a perspectiva de manter viva a forte relação que os uniu. Ela (Alicia Vikander, a atual Lara Croft), cientista/pesquisadora biomatemática, é especialista em buscar sinais de vida em grandes profundidades dos oceanos. Ele ( James McAvoy) é espião do M-16 em missão na Somália, onde acaba sequestrado por jihadistas africanos ligados a Al-Quaeda.
Co-produção hispanofranco-alemã, com aquele look de co-produção europeia falada em inglês, ambientada na África, no Atlântico francês e na Groenlândia. Sets ideais para que Wenders experimente recursos fotográficos, cores e geologia visual, às vezes mais interessantes que o próprio comportamento dos personagens. É uma história ambientada em dois momentos, ou no presente que volta sempre ao passado, um relato que às vezes quer voltar a filmes românticos da segunda metade do século passado. Uma história de personagens e de lugares, de rostos e de fundo do mar, com um discurso político talvez discutível mas muito afim com aquele que Wenders vem contando desde que o último milênio começou a expirar.
Mas o que pode ter interessado a Wenders neste argumento? A possibilidade de seguir especulando sobre as diferenças e divergências culturais e econômicas no mundo? O tom romântico-sombrio da relação entre seus dois personagens principais? Um enfoque original do terrorismo? Essas indagações vem a propósito da possibilidade de “Submersão” parecer às vezes ser vários filmes reunidos em um, ou vários relatos em uma só história. Ciência e tecnologia, esta em especial, são outras das obsessões do cineasta. O que justifica sua comodidade, fazendo seus personagens transitarem por lugares exóticos ou sofisticados, relacionando-se de maneira sedutora e aproveitando a fotogenia e a química entre Alicia e McAvoy.
Há uma insistente, às vezes perniciosa metáfora na câmera de Wenders. A de somos incapazes de olhar para dentro de nós, incapazes de aceitar a desilusão, a infelicidade talvez. Seu filme é basicamente isto: uma viagem ao mais fundo dos personagens (o espectador, claro, está liberado e convidado a assumir a jornada), ali onde habitam cada um dos monstros, anjos e demônios que configuram a filmografia do diretor da obra-prima que se chama “Paris, Texas”. Por isso, o público não deve se surpreender com a lentidão, talvez com a inércia de muitos dos movimentos de câmera, com as conversas esculpidas no vazio, com os olhares intensos, com a quietude quase litúrgica de muitas cenas. Wenders não vai deixar de ser ele mesmo, apesar de contar com o carisma, talento e corpos de Vikander e McAvoy.