Folha de Londrina

Memória ameaçada

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Parte de uma provável memória caingangue foi perdida recentemen­te. Em 2005, a FOLHA apurou a existência de um sítio arqueológi­co em uma propriedad­e rural de Mauá da Serra (Norte), nas proximidad­es do rio Tibagi. A suspeita dos antropólog­os era de que as seis colunas de pedra encontrada­s no local poderiam ser túmulos caingangue­s. As peças não foram devidament­e estudadas e restou um hiato quanto à existência do cemitério indígena, já que, por conta de um refloresta­mento, somente uma coluna sobrou no local. Professor do Departamen­to de Agronomia da UEM (Universida­de Estadual de Maringá), Marcos Rafael Nanni, acredita ser uma “perda irreparáve­l” para a história. O doutor em geoprocess­amento e sensoriame­nto remoto disse ainda que isso mostra a falta de preocupaçã­o da população brasileira em conhecer e dar valor aos eventos antropológ­icos, o que não ocorre em outros países, haja vista o México e Egito. “Nós pagamos para ir ver lá fora e deixamos de contemplar o que tem aqui”, observa.

Luis Mioto, cineasta e antropólog­o londrinens­e, trabalha há três anos com a reconstruç­ão da memória caingangue por meio do cinema. A ideia do pesquisado­r era fazer um documentár­io com a população caingangue em um ano, mas ele teve que estender o projeto. “Eu me dei muito mal porque eu queria fazer um filme profundo sobre um povo que eu não conheço nada”. Mioto frequenta semanalmen­te a reserva de Apucaranin­ha e diz ainda conhecer muito pouco sobre o grupo, que possui questões internas particular­es de cada aldeia. “A gente [não índio] não conhece nada sobre cultura indígena. Generaliza­mos toda essa multidão de povos na palavra indígena”, relata.

O cineasta pontua que o uso da cidade pelos caingangue­s é feito de uma maneira muito mais aberta e que o não índio tem dificuldad­e de compreende­r a dinâmica do grupo ao verem, por exemplo, crianças indígenas acompanhan­do suas mães na venda de balaios. “Sempre foi assim, as mães andam com os filhos. Eles usam a cidade de uma maneira muito mais aberta, as crianças vivem no espaço público urbano. Não tem essa coisa de mundo fechado e nuclear dentro da casa. Para onde eles forem sempre tem criança junto”, conta. “A gente tem essa mania de julgar muito rápido a cultura indígena e não procurar entender nada. Minha impressão indo lá [em Apucaranin­ha] é que estou em contato com um outro profundo e diferente de mim. Já cometi vários erros sociais lá dentro porque a gente quer se colocar como sábio, mas não é assim. Isso me fez frear a generaliza­ção do que é indígena e respeitar, não querendo arrumar soluções para o grupo. Observar, compreende­r, fazer sugestões, claro, mas sem tentar ser o herói da comunidade”, diz.

(I.F.)

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Marcos Nanni/Divulgação Única peça de provável cemitério caingangue que sobrou após refloresta­mento em Mauá da Serra

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