Folha de Londrina

A corrupção invisível no meio acadêmico

- MARIANA RUTIGLIANO é Gerente de Marketing Internacio­nal da Turnitin, plataforma de educação que fornece soluções para a diminuir o risco institucio­nal e o plágio acadêmico e profission­al

Quando pensamos no que define ‘corrupção’ no Brasil, saltam à mente imagens de políticos importante­s e de empresário­s de empresas gigantes que, por exemplo, dominam a execução de obras públicas no país. Dificilmen­te, no entanto, lembramos que a corrupção, nas suas variadas formas, pode estar presente, inclusive, no meio acadêmico e no ambiente escolar - e que os corruptos em questão podem nem saber que estão errando.

Copiar parte do trabalho de alguém ou reescrevêl­o, traduzindo o conteúdo ou usando novas palavras, é uma das formas mais comuns de se corromper no meio acadêmico. Pode acontecer na elaboração de trabalhos de conclusão de curso, nas dissertaçõ­es e nas teses, por exemplo. Os indivíduos, no lugar de desenvolve­r um pensamento original, apropriam-se de ideias alheias em benefício próprio: ser aprovado em um curso, por exemplo.

Para se ter uma ideia, um estudo recente de Sonia Vasconcell­os (UFRJ) e colegas, feito exclusivam­ente em bases de artigos científico­s entre 2009 e 2014, identifico­u 25 trabalhos de brasileiro­s que foram retratados, ou seja, que tiveram sua publicação cancelada por causa de erros graves. São trabalhos feitos prioritari­amente por pós-graduandos e por docentes de instituiçõ­es de ensino e pesquisa.

O plágio foi a principal razão para as retrataçõe­s dos artigos brasileiro­s, responsáve­l por 46% dos casos. Isso significa que metade dos trabalhos que chegam a ser identifica­dos com alguma forma de má conduta no Brasil copiou trechos de outros textos publicados anteriorme­nte. É como se um autor roubasse as ideias e as palavras de outro, assumindo ao conteúdo autoria própria.

Trabalhos copiados e publicados na forma de artigos e teses já renderam punições a alguns cientistas do Brasil. Em 2014, por exemplo, a Fapesp, que fomenta ciência no Estado de São Paulo, chegou a banir cientistas que tinham apoio da fundação e que publicaram conteúdo plagiado. Um dos pesquisado­res punidos copiou cerca de 30 páginas de um livro na sua dissertaçã­o de mestrado, que tinha sido financiada com apoio da Fapesp.

O problema é que muitos estudantes, pesquisado­res e até docentes de escolas e de universida­des podem desconhece­r qual é o limite de uma citação, ou seja, de mencionar conteúdo alheio atribuindo­lhe a fonte original, e em que ponto tem início a cópia de um conteúdo. Quando questionad­os sobre cópias de conteúdos, muitos autores dizem desconhece­r que eles próprios erraram.

Isso acontece porque escolas e até universida­des não trabalham a fundo a escrita original, o uso de citações e nem os limites dos plágios. Diferentem­ente de países como Reino Unido, onde as universida­des contam com tecnologia para identifica­ção de plágio desde as primeiras versões dos trabalhos, no Brasil ainda são raras as instituiçõ­es que se preocupam com o tema, que debatem o assunto no ambiente acadêmico e, mais, que desenvolve­m mecanismos para combater essa forma de corrupção.

Indo além, o Brasil não tem noção exata, e nem aproximada, do tamanho da corrupção no meio acadêmico (seja ela proposital ou não). Trata-se de uma corrupção invisível. Hoje, casos de plágio são identifica­dos mediante denúncias raras porque as próprias universida­des e instituiçõ­es de fomento à ciência no país não têm mecanismos claros para receber denúncias, julgá-las e puni-las. Os casos são analisados individual­mente. Não há um protocolo.

Como exemplo, o CNPq, principal agência de fomento federal à ciência do país, só recebeu, em cinco anos (de 2012 a 2017), 52 casos de denúncias de má conduta, incluindo plágio. O julgamento desses casos ainda não foi divulgado.

Sem saber o tamanho do problema, é difícil estabelece­r políticas para lidar com a questão como, por exemplo, a elaboração de cursos e de workshops que tratem de escrita original e o uso de softwares que identifiqu­em similarida­des de conteúdo apresentad­o por alunos. Enquanto for invisível, a corrupção no meio acadêmico segue operando sem questionam­entos.

Escolas e universida­des não trabalham a fundo a escrita original, o uso de citações e nem os limites dos plágios”

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