Novo reitor defende autonomia da UEL
Sérgio de Carvalho adiantou que pretende negociar a saída da instituição do Meta 4, sistema de gestão de pessoal e da folha de pagamento
Oreitor eleito da UEL (Universidade Estadual de Londrina), Sérgio de Carvalho, assume o cargo em 10 de junho com o desafio de contornar as dificuldades financeiras pelas quais passa a instituição. Segundo ele, o valor de custeio da universidade – sem considerar investimentos e gastos com pessoal - é de R$ 38.214.000, mas entre repasses do governo do Estado e recursos próprios, a previsão de arrecadação para este ano é de R$ 32.728.220, resultando em um deficit de quase R$ 5,5 milhões.
O buraco financeiro tem reflexos em todos os setores e a instituição enfrenta também a falta de reposição de pessoal, o que leva Carvalho a prever um “apagão funcional” em um prazo de dois anos, mas há departamentos que já podem parar no próximo semestre por falta de recursos humanos e também financeiros.
Após forte pressão do governo do Estado, em janeiro deste ano a UEL aderiu ao Meta 4, sistema informatizado para gestão de pessoal e da folha de pagamento dos servidores, gerenciado pela Seap (Secretaria Estadual de Administração e Previdência). Mas uma das propostas do novo reitor, no entanto, é lutar pela “efetiva autonomia na gestão de recursos”. Carvalho, que é do Departamento de Economia, adianta que as universidades deverão negociar a saída do Meta 4, considerado por ele “uma grande derrota” para as instituições estaduais de ensino superior.
Em entrevista à FOLHA, o reitor eleito afirma não ser possível gerir uma universidade do porte da UEL “de pires na mão”.
A UEL passa por uma grave crise com a falta de recursos financeiros e de pessoal. Como o senhor pretende conduzir isso?
Nós temos de fato uma dificuldade enorme na UEL e eu ainda não conversei com os reitores da UEM (Universidade Estadual de Maringá) e da UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa), que são as universidades mais antigas, mas creio que elas também vão enfrentar o problema das aposentadorias. Minha intenção é que a gente possa fazer uma frente comum em busca de reposição de pessoal. Nós fomos fundados na década de 1970 e uma boa parte do nosso quadro de pessoal entrou nesse período. Nós temos servidores com 40 anos de universidade. São pessoas que têm um vasto conhecimento sobre os procedimentos da instituição, mas nós precisamos repor. Trazer gente jovem para trabalhar ao lado deles para que essa transição possa acontecer de maneira a não prejudicar a instituição. A nossa clínica psicológica, por exemplo, um órgão suplementar nosso, não tem um quadro efetivo de psicólogos que possam dar suporte para os docentes. A universidade se agigantou e a gente não dá conta de fazer isso apenas no voluntarismo, é preciso ter uma tratativa da parte do governo do Estado para que a gente consiga ter pessoal para isso. Mas nós não temos o po- der de decidir a alocação de pessoas para lá porque não temos reposição de quadro de pessoal.
Há servidores aprovados em concurso e até nomeados, mas que não foram convocados.
Esse é o problema mais grave e que vai nos paralisar nos próximos dois anos. Uma boa parte dos recursos que nós utilizamos dentro da instituição nós mesmos geramos. E com os professores envelhecendo e se aposentando, algumas dessas fontes geradoras de recursos vão acabar se extinguindo dentro da instituição. Precisamos de professores jovens, técnicos novos, temos laboratórios que prestam serviços, mas precisa de um quadro técnico para que se consolide essa própria prestação de serviço para que sejam autossustentáveis sob o ponto de vista do custeio, não do investimento. O grande patrimônio de uma universidade é o seu corpo técnico e o corpo de docentes. Como esse corpo técnico e o corpo de docentes estão se esvaindo por conta da não substituição, isso pode comprometer inclusive financeiramente a própria universidade. Ela não vai se sustentar daqui a um tempo.
O senhor fala em chamar a comunidade externa. As entidades civis organizadas serão chamadas a trabalhar em conjunto?
A própria Acil (Associação Comercial e Industrial de Londrina) tem assento no Conselho Universitário. É chamá-las, sim, e mostrar o que a universidade faz, em que condições a universidade está e o nosso papel dentro do sistema de ciência e tecnologia da região e do ambiente de ensino superior da região. O enfraquecimento da UEL pode significar o enfraquecimento do próprio ambiente de inovação da nossa região. Não podemos deixar que seja criado e consolidado um muro virtual entre nós e as entidades que são representativas das várias forças. Temos muita gente comprometida com a pesquisa científica, com o ensino, comprometida com a própria cidade. O problema é que nós vivemos em um mundo muito isolado. É importante trazer as pessoas para conhecerem a UEL. Fazemos algo relevante e devemos mostrar isso para a população de Londrina e região.
Além da união com outras universidades do Estado, há alguma outra maneira de pressionar o governo para liberar mais recursos e mais investimentos?
Esse é um ano eleitoral no qual todos os órgãos públicos vão estar imbuídos de convencer os aspirantes ao cargo de governador de que é importante investir no setor público e nós vamos entrar nesse circuito de convencimento. É um ano delicado. A gente vai começar a fazer conversações e pedir para conversar com os vários órgãos representativos da sociedade civil aqui em Londrina e vamos conversar com todos os que se dispõem e são pretendentes aos cargos públicos da nossa região e do Paraná para que eles assumam alguns compromissos com as nossas instituições. E os compromissos são aumentar os recursos e nos dar a efetiva autonomia de gestão desses recursos. Nos últimos quatro anos não tivemos isso. Recebemos recursos, mas tínhamos uma dificuldade enorme de fazermos a gestão desses recursos e quanto mais dificuldade você impõe a uma autarquia para fazer gestão, mais ineficiente essa autarquia pode se tornar. E além da maior autonomia na gestão, ampliar os nossos recursos.
A sua defesa em relação à autonomia da universidade tem a ver com o Meta 4?
A universidade tem autonomia constitucional que nos foi dada para que tivéssemos liberdade para produzir conhecimento e para praticarmos as nossas atividades didáticas e pedagógicas com liberdade, sem interferência política. Porque o resultado da nossa autonomia, o resultado das nossas pesquisas, em especial, pode em algum momento conflitar com interesses políticos. Como o mantenedor é o governo do Estado, em algum momento esse conflito político pode se agudizar nesse aspecto e as nossas carreiras podem ser ameaçadas. Você começar a atrasar promoções, você começar a não discutir a carreira... E o Meta 4 não fez isso, mas ele traz essa possibilidade de haver interferência política a partir do que está acontecendo dentro da universidade.
O senhor é contra o Meta 4?
Foi uma grande derrota para as universidades entrar no Meta 4 porque o Meta 4 traz a possibilidade de ter ingerência política externa na execução da folha de pagamento. Por isso as universidades são contra. Eu acho que as universidades vão tentar negociar a saída ou garantir que mesmo estando no Meta 4 mantenhase a autonomia de gestão até que haja força política para que as universidades possam se retirar efetivamente do Meta 4 e conseguir fazer a autogestão dos recursos de pagamento. Me parece que incluir as universidades no sistema era uma questão de honra para esse governo.
A UEL tem vários órgãos na área da cultura e que também apresentam problemas, a maioria deles relacionada à falta de funcionários. Como o senhor pretende encaminhar essa questão?
Na abertura do ( Teatro) Ouro Verde, por exemplo, o governo havia assumido o compromisso de contratar e não o fez. Os funcionários foram nomeados, mas não foram convocados. Foi uma maquiagem, o que é muito afeito aos movimentos políticos. Por isso que a universidade precisa de uma autonomia porque se ela tem autonomia, não fica refém do humor da classe política. Se nós estivéssemos exercendo a autonomia plenamente, nós já teríamos escolhido repor ou não repor, mas seria uma escolha nossa. A parte cultural nos dá visibilidade e estamos perdendo visibilidade por conta dessas restrições que estamos vivendo.
Quais os setores que correm mais risco de sofrer o apagão funcional a que o senhor se refere?
Quase todas as nossas próreitorias estão numa situação parecida com essa. Se todas as pessoas que estão em condições de se aposentar decidirem pedir aposentadoria no ano que vem, em dois anos a gente não tem Pró-Reitoria de Finanças, que cuida do controle da entrada e saída de recursos, faz todos os empenhos, liquidações, pagamentos, importações, cuida da logística da distribuição dos materiais dentro da universidade, gerencia os nossos estoques. Na PróReitoria de RH (Recursos Humanos), tem alguns setores que estão desertos. Há uma modernização tecnológica, mas a queda na quantidade de pessoas que estão trabalhando é muito maior do que a melhoria tecnológica trouxe nos últimos 15 anos. Nos laboratórios de alguns cursos, se todo mundo resolver se aposentar, em três anos não teremos técnicos. E os laboratórios são importantes para as nossas pesquisas, que são uma fonte de arrecadação de recursos. Na Prefeitura do Campus há um envelhecimento muito acentuado dos trabalhadores, há muitos doentes e muitos em idade de aposentadoria. É uma situação triste, mas depois que a gente fala tudo isso e vê que a UEL está melhorando nos seus rankings e vê tanta coisa sendo feita, professores e estudantes sendo premiados, a gente não acredita que a gente é capaz de fazer tanto. E a gente é capaz.
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Foi uma grande derrota para as universidades entrar no Meta 4