EDUCAÇÃO
Professora da UEL e doutora em Educação, Sandra de Oliveira, fala sobre o que muda com a nova Base Nacional Comum Curricular
Para a professora Sandra de Oliveira, Base Nacional Comum Curricular é positiva, mas é necessário levar em conta as particularidades regionais nos debates nos Estados e municípios
Quase 30 anos após a promulgação da Constituição Cidadã, em dezembro de 2017, o Ministro da Educação, Mendonça Filho (DEM), homologou a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), instituindo uma base mínima e igual sobre a qual os estados e municípios devem trabalhar, para definir a nova grade curricular do Ensino Fundamental até 2020. O documento para o Ensino Médio está avançado e será votado, possivelmente, ainda em 2018.
Em entrevista à FOLHA, a professora do Departamento de Educação da UEL e Pós-Doutora em Educação, Conhecimento e Sociedade pela Flacso (Faculdade LatinoAmericana de Ciências Sociais), com sede em Buenos Aires-ARG, Sandra Regina Ferreira de Oliveira, se diz favorável à existência de uma Base, apesar de entender e respeitar os contrários a ela.
Qual o argumento dos contrários e favoráveis à Base no Brasil?
Tem um grupo que defende a instituição dela, principalmente, por acreditar ser necessário que um país continental e diferente como o nosso tenha um horizonte mínimo de expectativas quanto à aprendizagem, para a produção de material didático de forma mais organizada. Assim, quem dita o que deve ser produzido passa a ser um documento oficial do país. Do outro lado, há os que acreditam que esse tipo de documento é impossível de ser atingido no Brasil, porque os objetivos de aprendizagem, ainda que definidos, são muito diferente em cada região, assim como as pessoas, as condições, as metas de aprendizagem e a relação com a escola. Eles também criticam o caráter utilitarista da Base, no sentido dela ser utilizada para o processo de avaliação de larga escala (como exames nacionais e internacionais).
E de qual dos lados a professora está?
Para mim, esse debate não é ruim. Eu me alio aqueles que entendem que uma Base mínima é necessária, mas respeito a opinião dos colegas contrários. Estou nesse grupo por causa do norteador para questões mais... pragmáticas. Agora, isso, para mim, não elimina a diversidade, porque, dentro da parte diversificada, que será construída pelos municípios, estados e, até mesmo, pelas escolas, a autonomia está garantida. A LDB (Lei das Diretrizes e Bases) garante que a escola possa, caso desejar, organizar o currículo, a partir das concepções que acredita ser fundamentais, e ter autonomia para gerenciar o projeto pedagógico, que pode ser redigido, fundamentado e submetido à aprovação. Então, resguardada de todo esse campo de liberdade, acho que um documento básico nacional nos ajudaria.
Na terceira e final versão da BNCC, gênero e religião foram deixados de lado?
Eu não avalio que a Base deixou de lado a questão de gênero. Eu acho ela não atendeu efetivamente, claramente, diretamente, politicamente e… corajosamente essa questão, mas ela também não disse que não. Vai depender muito do uso que as secretarias municipais e estaduais de educação fizerem deste norteador, para a construção das propostas curriculares e também de como o professor vai trabalhar na sala de aula. A Base é muito clara quando coloca que “o objetivo da educação escolar é a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva”. Se for feita uma busca pela palavra “gênero”, você verá que ela consta no documento, mas, às vezes, a gente se restringe ao “ter ou não ter” e isto é muito ruim, porque pegamos o que nos convém para a batalha daquele momento. No campo da religião, a discussão é sobre o que chamamos de ensino religioso. A escola é laica, ou seja, todas as religiosidades têm que estar contempladas, inclusive o não professar nenhum tipo de fé. Agora, isto vai ser feito destacando e priorizando uma religião ou vamos também trazer para a discussão todas as outras formas de sagrado que há no mundo? Não é que foi imposto ou retirado.
Como fica o aluno com essa mudança?
condição para se fazer uma escolha? Quando se conhece diferentes caminhos. Se conhecemos apenas um, não é uma escolha. A grande crítica que se faz ao Ensino Médio do Brasil é que os alunos que terminam o Fundamental não estão em uma mesma condição de escolher. Aqueles que estão nos centros mais abastados, que têm mais investimento em educação, até podem têlas, ter possibilidades à sua frente; a grande maioria dos jovens, entretanto, terá de seguir no que tem. A pergunta que fica é: Como o governo vai se organizar para colocar essa multiplicidade de opções, por exemplo, nos locais onde os alunos andam vários quilômetros até a escola? Eu brinco com a propaganda da Base que o governo está fazendo, na qual ele diz que, quando as condições forem as mesmas, todos terão como fazer as mesmas escolhas. A tela está dividida em duas, para representar a escola em diferentes lugares, e a professora e o professor entram na sala e falam: “Bom dia. Hoje vamos falar sobre cidadania.” O comercial termina nesta parte, porque, se continuasse, a pergunta que viria do estudante já difere e, então, voltaríamos à questão de como fazer igual. Se for seguir o script, o aluno tem que ficar quieto ou as perguntas têm que ser combinadas. A aula é montada com uma proposta, mas ela é temperada com as perguntas - que fogem do controle; e ainda bem que fogem.