Folha de Londrina

Dificuldad­es são rotina na infância periférica

- Isabela Fleischman­n Reportagem Local

Ao cruzar a avenida Saul Elkind, na zona norte de Londrina, vê-se o jardim Vista Bela à esquerda e uma entrada para o Jardim São Jorge à direita. Um vasto campo e uma estrada de terra levam até a ocupação do São Jorge. No lugar, com casas não terminadas, barracões e placas de “vende-se cigarros” vivem muitas crianças. Só na casa de Naiara Campos, 26, há cinco. Henrique, 8, Ágata, 7, Sofia, 4, Alice, 2, e Samanta, de três meses. Naiara trabalha em casa, cuidando dos filhos. Vive de auxílios e com o dinheiro do pai das crianças, que “trabalha viajando”. Ela conta que cuidar dos meninos é uma “maratona diária”, mas que todos ficam meio período na escola ou na creche.”Como eu tive meus filhos não consegui voltar a estudar, mas pretendo. Eu falo para as crianças que o estudo é importante”, conta. Os meninos a ajudam nos serviços de casa, lavando e secando a louça.

Naiara relata que igrejas e outras instituiçõ­es prestam auxílio a crianças e jovens do bairro, mas que “se o município ajudasse mais, a juventude seria mais cuidada”. Segundo ela, algumas mães são negligente­s e, embora o Provopar (Programa do Voluntaria­do Paranaense) realize um projeto para cuidar das crianças do vilarejo, o qual muitos adolescent­es aderiram, ainda “tem criança que vai para escola meio período e depois fica sozinha na rua.”

Edrielle Pereira, 23, diferentem­ente de Naiara, não conseguiu colocar seus filhos na creche filantrópi­ca que atende a comunidade. Ela tem quatro filhos pequenos e para cuidar da mais nova, Ludmila, de quatro meses, conta com a ajuda da madrinha. “Estou há três anos na fila de espera da creche”, lamenta. O marido dela trabalha como pedreiro e ela fica com as crianças durante o dia. Na casa de Edrielle há água e luz, mas de forma clandestin­a. “Água é gato, luz é gato. Tudo fica miando de madrugada”, ironiza.

No Jardim Primavera, também na zona norte da cidade, Enzo, de 9 anos, brinca em um caminhão de sucata. Ele e sua irmã gêmea, Ana Júlia, estudam. Já seu irmão mais velho, Felipe, 17, deixou a escola. Rosimar Almeida Saraiva, 40, mãe das crianças, afirma que pediu ao menino que continuass­e estudando, mas que ele não quis. Ela não trabalha devido a uma artrose, que a impede de andar. Cuida sozinha das crianças com auxílios que recebe do pai dos meninos e de colegas. “O pai deles ajuda de vez em quando com R$ 200, R$ 300”, expõe. “Aqui falta mercado, padaria, ônibus. Tudo que tem fica no Aquiles”, comenta, referindo-se ao Conjunto Habitacion­al Aquiles Sthengel, ladeira acima do Jardim Primavera.

“Aqui embaixo não tem projeto, não tem nada. Mas também não tem problema com droga, as coisas ficam tudo lá para cima”, explica Felipe. O menino diz ainda não saber o que vai fazer daqui para frente, já que optou por sair do colégio.

Há três anos iniciaram as ocupações do Jardim Primavera. “A gente invadiu aqui e depois o Governo deu as casas para a gente, mas temos que pagar o IPTU”, conta Rosimara. No entanto, ela não tem conseguido pagar o imposto. Segundo a mãe, comida para as crianças nunca faltou, mas faltam vestimenta­s. “A gente fica meio apurado com roupas. O Enzo é meio gordinho, as roupas vão ficando pequenas, fica sem sapato”.

No meio da rua do mesmo bairro, três meninos dão banho em uma cadela na frente da residência de Zilda Pereira dos Santos, 32. A vizinhança a conhece como “a comadre careca”. Ela conta que sua casa sempre está cheia de crianças da comunidade. “Chega fim de semana a criançada vem direto aqui para comer. Só meu marido trabalha aqui, mas eu dou comida para todo mundo”, conta.

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Moradora de ocupação na zona norte, Naiara Campos luta para sustentar cinco filhos

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