A morte e suas infindáveis ilusões
‘A Pequena Mão da Criança Morta’, novo livro da poeta londrinense Samantha Abreu, aborda a finitude da existência sem paliativos
‘Este é um livro da morte. O livro das intermitências naturais da vida. O livro das finitudes do corpo. É também o símbolo dos renascimentos, dos ecos. Do espaço sem axiomas, nos minutos de falta de fôlego, dos vácuos cerebrais.”
Estas palavras aparecem logo na primeira página de “A Pequena Mão da Criança Morta”, novo livro da escritora londrinense Samantha Abreu que será lançado nesta quarta-feira (9), 19h, no Sesc Londrina Centro. Palavras que anunciam uma poética severa, sem retórica sobre os tombos e as finitudes silenciosas – e ao mesmo tempo barulhentas – da vida.
Autora de “Fantasias Para Quando Vier a Chuva” (2011) e “Mulheres Sob Descontrole” (2015), Samantha Abreu possui textos publicados em várias antologias brasileiras. Em sua nova obra, parece ter chegado até a encruzilhada que leva à maturidade literária. E segue em frente.
Em “A Pequena Mão da Criança Morta”, lançado pela editora Penalux, quase nada está fora de lugar. Fazendo uso de uma poética imagética, a autora mergulha em impressões distantes de qualquer tipo de máscara. Sejam estéticas, perceptivas ou sentimentais.
A seguir, Samantha Abreu fala sobre seu novo livro e revela que as mulheres não escrevem mais “para agradar alguém, nem a si mesmas”.
Na verdade, o livro de contos “Mulheres Sob Descontrole” foi um desvio na minha produção, que sempre foi poética. Os contos tinham essa intenção do humor desde sempre, de ser irônico com as visões estereo- tipadas que se tem das mulheres. Expor o ridículo para que ele fosse realmente visto como ridículo. Foi quase uma brincadeira narrativa. Quanto ao “A Pequena Mão da Criança Morta”, eu estava debruçada há anos para desenvolver uma poesia mais madura, mais imagética talvez. Eu estava com tudo isso numa incubadora esperando a hora em que esses poemas se uniriam com alguma sinergia entre eles.
Eu tenho me sentido incomodada com a temática do corpo há algum tempo. O corpo físico e também filosófico. Tenho me interessado demais pela forma como o corpo concentra todas as tensões da sociedade, como ele incomoda, como a finitude dele é inquietante e como a expressão viva do corpo também é condenada. O corpo se torna o centro de expectativas e de frustrações do ser. Tudo passa pelo corpo. Ao questionar isso, comecei a imaginar um corpo que acaba, um corpo que deixa de estar presente aqui e de viver as coisas que precisam ou querem ser vividas. Só que a gente deixa de viver coisas o tempo todo, a gente é soterrado, massacrado por inúmeros fatores impeditivos de vivermos plenamente. E isso não se trata apenas de uma morte física. É uma morte diária, é todo dia o fim de algo que representa a vida. Além desse incômodo, vivi algumas perdas de pessoas próximas e, também, fui profundamente afetada pela imagem do garoto sírio morto na praia, aquele corpo que representava tantas mortes subjetivas, mortes ideológicas, mortes de todo o tipo. Aquilo ficou dentro de mim de uma forma que não consegui manifestar de outra forma que não fosse pela poesia.