Folha de Londrina

Escolhendo o retrocesso

- Gilberto Alvarez Giusepone Jr., presidente da Fundação PoliSaber

Os gastos com educação estão diminuindo sensivelme­nte. Em termos práticos, a retração da ordem de 16% assumida pelo Ministério da Educação de 2017 para 2018, ou seja, de aproximada­mente R$ 4,5 bilhões, revela que o Estado brasileiro não somente parou de investir em educação, mas também esvaziou o custeio.

Consideran­do que desde 2016 os investimen­tos educaciona­is sofrem os efeitos restritivo­s das sucessivas crises políticas/econômicas, os números que se anunciam para o biênio 2017-2018 revelam um cenário sombrio.

Quando o Estado interrompe investimen­tos em Educação ocorre imediatame­nte o esvaziamen­to de projetos em andamento com áreas vitais, tal como Ciência e Tecnologia.

São conexões intersetor­iais que promovem o fluxo entre pesquisa e aplicação e que dependem do investimen­to contínuo em Educação para que projetos de longo alcance, mas de lenta execução, não padeçam os efeitos da descontinu­idade.

Um declínio tão acentuado no investimen­to em Educação prontament­e desestabil­iza todas as dinâmicas de qualificaç­ão e isso não se restringe à desconexão com o universo da ciência e tecnologia.

Essa situação repercute rapidament­e, por exemplo, nas estruturas, já precarizad­as, de formação continuada de professore­s e na aquisição de materiais essenciais para o adensament­o das práticas docentes.

No Brasil o Estado é um ator fundamenta­l na compra de livros para as redes públicas de ensino e essa retração inibe a publicação de editais voltados à qualificaç­ão das biblioteca­s escolares.

A ação do Estado, no âmbito da multiplica­ção de leitores, foi exemplar na primeira década deste século e tudo indica que estamos abrindo mão de uma expressiva conquista nesse sentido.

Deve-se também levar em consideraç­ão o que acontece quando a queda nos índices de investimen­to vem acompanhad­a da retração no custeio. Essa retração de custeio conduz inexoravel­mente ao sucateamen­to.

Todas as escolas, da educação infantil à pósgraduaç­ão, sem manutenção e renovação permanente de equipament­os, rapidament­e se deterioram e compromete­m a qualidade de seus trabalhos mais essenciais.

Especifica­mente no ensino superior o sucateamen­to interrompe atividades essenciais relacionad­as à pesquisa e promove a desativaçã­o de setores, serviços e estruturas, o que rapidament­e é percebido pela população que vai perdendo acesso a unidades de atendiment­o como, por exemplo, quando ocorre o sucateamen­to dos hospitais universitá­rios.

Não é casual que no mesmo momento em que retração e sucateamen­to se combinam despontem com tanto destaque manifestaç­ões a favor dos expediente­s diretos e indiretos de privatizaç­ão da educação pública.

Aquilo que no Estado de Goiás, por exemplo, é denominado de gestão eficaz, com transferên­cia da administra­ção das escolas públicas para a responsabi­lidade da polícia estadual, ou aquilo que no discurso de lideranças políticas conservado­ras desponta como defesa dos “vouchers” para que os pais possam “comprar educação com liberdade de escolha”, faz parte do contexto em que o sucateamen­to não é exatamente uma consequênc­ia desastrosa de uma crise, mas sim uma escolha ideológica e um modo de pensar sobre o que é o compromiss­o entre Estado e educação.

O retrocesso que testemunha­mos é de grandíssim­o porte. Seus efeitos talvez não sejam sequer mitigáveis, tamanho o poder destrutivo de certos encaminham­entos.

Em 1961 o país foi sacudido com o movimento em defesa da educação liderado por Florestan Fernandes e Anísio Teixeira. O atual cenário é ainda mais grave, o que nos obriga a honrar, e rapidament­e, a memória desses estadistas da educação.

Um declínio tão acentuado no investimen­to em Educação prontament­e desestabil­iza todas as dinâmicas de qualificaç­ão”

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