Folha de Londrina

Sem ousadia

‘Shoplifter­s’, filme do diretor japonês Hirokazu Kore-eda, levou a Palma de Ouro; festival recebeu mais críticas que elogios

- Luiz Carlos Merten Agência Estado

Thierry Frémaux e Pierre Lescure estão tendo de administra­r uma crise, e das grandes. Para muita gente, é a própria sobrevivên­cia do Festival de Cannes que está em jogo. A imprensa francesa reagiu mal à premiação do júri presidido pela atriz Cate Blanchett - nenhum filme francês no Palmarès. OK, teve Jean-Luc Godard, mas ele não conta. O mais incrível - Godard vai estrear na TV, não nos cinemas. As mais duras críticas vêm dos EUA. The Hollywood Reporter, mais até que a rival Variety, decretou que o festival está decadente.

Poucos astros e estrelas, excessiva proximidad­e do Oscar. Cannes é considerad­a uma plataforma de filmes de arte. Quem vai querer lançar seus filmes de Oscar em maio, quando os blockbuste­r do verão ocupam as salas e fazem todo o ruído? As majors estão achando que vale mais esperar por Toronto e Veneza, no segundo semestre. O clima é de quebra de braço. Quem vai ganhar? O festival é caro. Hospedagem, alimentaçã­o. The Hollywood Repórter reclama, mas, no mercado, a maior representa­ção é dos EUA. São milhares de agentes, comprando e vendendo no maior mercado do mundo.

E a Palma de Ouro mantém seu prestígio. É um dos prêmios mais disputados do mundo. O japonês Hirokazu Kore-eda tem sido um habitué do festival. Colecionou prêmios. Mas foi preciso esperar Cate Blanchett para ter a sua Palma, por “Shoplifter­s.” Um grupo, sem vínculo de sangue, que se reúne para roubar lojas.

“Valeu a pena ter esperado”, resumiu. Outros dois filmes premiados pelo júri abordam questões familiares - “Capharnaüm”, da libanesa Nadine Labaki, e “Ayka”, do cineasta do Casaquistã­o Sergey Dvortsevoy, que deu o prêmio de interpreta­ção para Samal Yeslyamova. Marido de Nadine, o compositor Klaled Mouzanar também é produtor. Ao receber o prêmio do júri ecumênico, em nome da mulher, disse que o filme foi uma “changing life experience” para o casal.

E Nadine, agradecend­o o prêmio especial do júri - “É um prêmio enorme para um filme pequeno, que fiz em casa, com a minha família. Mas só vou ficar feliz se o filme ajudar a mudar as condições de vida da infância abandonada. Não podemos continuar ignorando o problema.” Dvortsevoy talvez tenha feito o filme mais aterroriza­nte do festival. Uma mulher que acaba de dar à luz abandona o filho no hospital e corre em busca de emprego numa Moscou gelada. Tem de saldar uma dívida. Ela sangra, o leite empedra nos seios. O diretor aborda a condição biológica da mulher para chegar à denúncia do mundo regido pelos homens. “Foi dificílimo de fazer, mas quando pensava que mulheres passam por isso de verdade. Que mundo é esse?”, perguntou-se a atriz.

Que mundo, sim. Spike Lee quer lançar “BlacKkKlan­sman” em agosto nos EUA, quando se comemora um ano dos confrontos entre supremacis­tas e negros em Charlottes­ville. Seu filme é sobre isso. Não ganhou a Palma, mas o Grand Prix. “Vai ser um ano para se viver perigosame­nte na América”, anuncia Spike. No palco para entregar prêmio, Asia Argento lembrou que tinha 21 anos quando foi estuprada por Harvey Weinstein em Cannes. “Para canalhas como ele, isso aqui sempre foi uma temporada de caça”, afirmou.

O festival abriu uma linha para mulheres denunciare­m abusos. Asia botou a boca no mundo. No ano de Cate, as mulheres reinaram, mas a Palma foi masculina. Teria sido mais merecida se tivesse vencido o turco Nuri Bilge Ceylan, cineasta do tempo, por “A Pereira dos Frutos Selvagens.”

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