Greve traz à tona discursos contra e a favor da intervenção militar
Viés político da paralisação ganha corpo com simpatia dos caminhoneiros à presença do Exército nas ruas; historiador vê retrocesso
Em meio à pauta de reivindicações dos caminhoneiros para que tenham mais condições financeiras de manter a atividade, um discurso político em torno da defesa da intervenção militar no País vem ganhando proporções nas redes sociais.
A começar pelos próprios grevistas rodoviários. Pelo tom das conversas em três grupos de whatsapp dos quais a reportagem participa, as reivindicações saíram do campo econômico e entraram na esfera política. Depois da dimensão que a greve tomou nos últimos dias, os caminhoneiros passaram a acreditar que podem mudar o rumo do País. Cada um tem uma tese diferente, expressa nas mensagens pelo aplicativo.
Alguns acreditam que se conseguirem manter a paralisação por mais tempo, o governo atual será obrigado a renunciar. A maioria apoia a intervenção militar. Isso acabou criando uma situação inusitada com o Exército. Alguns vídeos mostram a atuação dos soldados acionados para liberar as estradas. Eles foram recepcionados com palmas e continência pelos caminhoneiros.
As fake news também são fartas nos grupos. No sábado, 26, circulavam vídeos com informações de que o governo cortaria energia elétrica de todo o País se a greve não chegasse ao fim ou de supostos áudios de integrantes do governo criticando a condução da greve. Também ganhavam simpatia dos grupos teses sobre uma possível intervenção militar. Numa delas, eles afirmavam que a Constituição Federal dava prazo de 7 dias e 6 horas de paralisação para que o Exército assumisse o poder.
Em Londrina, duas manifestações tomaram as ruas para apoiar a paralisação dos caminhoneiros, mas curiosamente com viés político oposto. No domingo (27), londrinenses se reuniram em apoio à categoria, paralisando a Avenida Higienópolis. Com a adesão de mais de mil pessoas, trajados de verde e amarelo, o ato reclamava do preço do diesel à corrupção política. A FOLHA caminhou com os manifestantes, que organizaram a paralisação pelo Whatsapp. A passeata foi marcada por empresários, advogados e produtores rurais nostálgicos do período militar no Brasil, exaustos e revoltosos com a atual conjuntura política.
Já na segunda (29), início da noite, o Calçadão de Londrina foi palco de ato promovido por estudantes secundaristas solidários aos caminhoneiros, mas totalmente contrários à intervenção e à ditadura militar. O ato reuniu cerca de 200 pessoas, com apoio de universitários, tendo como principal pauta a redução do preço dos combustíveis. argumentos dos que defendem a volta do regime de exceção como o de que no governo dos militares não havia corrupção são uma “falcatrua histórica”. “Basta dar uma olhada rápida na história e vamos ver que as grandes empreiteiras enriqueceram muito durante o regime militar”, pontua. “Vamos lembrar que no regime militar vivemos o ‘milagre econômico’, em que aparentemente tínhamos um desenvolvimento, mas o que havia mesmo era um endividamento. Até a ideia de que tínhamos uma economia eficiente durante o governo militar é uma falcatrua histórica, uma mentira histórica”, afirma. O professor também aponta a censura imposta pelos militares a expressões de pensamento que contrariavam o regime como um outro ‘legado’ da ditadura que não deve ser relativizado. “É um retrocesso muito grande a gente pensar a defesa da ditadura militar. Antes uma democracia capenga. Uma democracia ruim é melhor do que qualquer ditadura.” (Colaboraram Diego Prazeres e Isabela Fleischmann/Reportagem Local)
“Uma democracia ruim é melhor do que qualquer ditadura” FALCATRUA HISTÓRICA O historiador Marco Antônio Soares, professor na Universidade Estadual de Londrina, considera um retrocesso qualquer tipo de defesa que se faça a favor da intervenção militar. Segundo ele,