Folha de Londrina

Um basta no machismo

‘Chega de Fiu Fiu’, em cartaz no circuito nacional, trata da misoginia como algo que perdeu a graça

- Andrea Ormond Folhapress

No final do ano passado, a atriz Helena Ignez lançou o veredito que se tornou um clássico instantâne­o. Indagada sobre as dificuldad­es de ser mulher no cinema brasileiro, afirmou que a “misoginia perdeu o charme”.

Ignez viu de perto o ovo da serpente. Musa do cinema novo e do cinema udigrudi, é também diretora, roteirista e por aí afora. Conhece o caldeirão por dentro.

“Chega de Fiu Fiu” trata dessa mesma saúva nacional: o machismo. O charme se foi. Combatê-lo tornou-se tão natural quanto levar um copo de água à boca.

Exatamente por isso, o documentár­io recém-lançado dirigido por Amanda Kamanchek e Fernanda Frazão é maior pelo seu tema do que por sua beleza cinematogr­áfica.

Não se trata de um poema visual ou coisa que o valha. A intenção é clara: ser uma ferramenta para a campanha homônima. Atacar o assédio contra mulheres.

“Chega de Fiu Fiu” se aproxima de “Câmara de Espelhos”, de Déa Ferraz. A duração é parecida, ambos têm menos de 80 minutos e abraçam o feminismo com virulência.

Porém, se “Câmara de Espelhos” trata da reflexão dos homens sobre as mulheres, em “Chega de Fiu Fiu” as próprias mulheres falam de si mesmas. Há, também, uma breve concessão ao convescote de homens - oportunida­de em que a trama cresce. Ouvese o lado oposto.

O filme é hábil em expor mundos diferentes. Mulher obesa, transexual, negra, branca, paulista, baiana. Um sem número de entrevista­das, na euforia das “intersecci­onalidades”.

Nesse jogral sociológic­o, vemos explicaçõe­s racionais e momentos de choro. Está clara a estratégia do roteiro, de ganhar o espectador por meio da razão e da emoção.

A fome central da narrativa ainda precisa ser temperada. Nem sempre é plausível ver um filme igualar penetraçõe­s forçadas - como as que são narradas por algumas moças -, com a boçalidade de outros pequenos machos, que trotam no bosque de suas inseguranç­as contando piadas infelizes.

Como sempre, um filme é o produto de suas circunstân­cias. Históricas, amorosas, estilístic­as. “Chega de Fiu Fiu” traz um bom resultado e parece apontar para uma burilagem nas teses sobre o empoderame­nto feminino que vêm pipocando para o grande público.

O cinema “millennial” está quase entendendo que toda a energia das causas pode ser canalizada em narrativas melhor costuradas. Em breve conseguirã­o.

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Reprodução Helena Ignez: atriz e musa do cinema brasileiro nos anos 60 diz que a “misoginia perdeu o charme”

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