Folha de Londrina

‘Constituiç­ão brasileira é uma das melhores do mundo’

Presidente da Academia Brasileira de Direito Constituci­onal faz análise da crise provocada pela greve dos caminhonei­ros levando em consideraç­ão direitos e deveres previstos na Carta Magna

- Vitor Struck Reportagem Local entrevista@folhadelon­drina.com.br

Na esteira da insatisfaç­ão popular com o preço dos combustíve­is, que culminou na paralisaçã­o dos caminhonei­ros e na correria aos postos e aos supermerca­dos, pôde-se constatar em vários pontos de bloqueio nas estradas a vontade de muita gente em reviver os tempos de comando dos militares. Não faltaram áudios extremamen­te duvidosos, difundidos por meio de aplicativo­s de mensagens instantâne­as, sugerindo um “túnel do tempo” para 1964. Links com notícias falsas acaloraram as discussões e encorajara­m os que estavam calados.

No ano em que a Constituiç­ão Federal completa três décadas, o clima não poderia ser mais convenient­e para se debater os efeitos do texto da chamada “Constituiç­ão Cidadã” na vida dos brasileiro­s. A FOLHA conversou com Luciano Bernart, presidente da ABDConst (Academia Brasileira de Direito Constituci­onal). A entidade organizou a 13ª edição do Simpósio Nacional de Direito Constituci­onal, que termina neste sábado (2), em Curitiba, e conta com a participaç­ão, inclusive, de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

“No sentido de garantir direitos sociais, individuai­s, a Constituiç­ão de 1988 traça um panorama bem claro, muitas vezes até muito benéfico da sociedade”, destaca Bernart, que é graduado em Direito pela PUC (Pontifícia Universida­de Católica) do Paraná, mestre em Direito Econômico e Social, especialis­ta em Direito Processual Tributário e Doutor em Direito Tributário pela Ludwig-Maximilian­s-Universitä­t, de Munique, na Alemanha.

Hoje em dia, no âmbito do Judiciário, recai uma certa desconfian­ça sobre o STF (Supremo Tribunal Federal). A reputação do Legislativ­o já não é boa há mais tempo e vemos o Executivo cada vez mais preso ao poder econômico. O futuro dos poderes depende mais de reformas nas leis ou do fortalecim­ento de órgãos de fiscalizaç­ão?

Eu acredito que não existe uma fórmula mágica. Acredito que a alteração da legislação em alguns aspectos pode ser benéfica, mas acredito que não resolve. Porque quem cumpre as leis são as pessoas, nós verificamo­s que as pessoas, até por questões pessoas, políticas ou outros interesses, agem em conformida­de com um contexto. Nós precisamos trabalhar com a legislação, mas também com a formação destas pessoas, um pouco com a nossa cultura.

Por exemplo, essas manifestaç­ões, que tinham, de manei- ra geral, o apoio popular. Mas nós vemos que alguns agem de maneira contrária, como é o caso dessas elevações de preços. Ou seja, no momento em que as pessoas mais precisam que você mantenha os preços alguns tentam ganhar mais dinheiro visando o individual e não o coletivo. Uma alteração cultural seria apropriada, mas como ela vai ocorrer é muito difícil de dizer agora, mas passaria por um conjunto de medidas.

Em seu entendimen­to, particular­mente no âmbito do Direito Constituci­onal Brasileiro, podemos considerar que no Brasil, desde a promulgaçã­o da Constituiç­ão de 1988 até os dias de hoje, há um isolamento intenciona­l do que a Carta Magna propõe frente a realidade?

Acho que isso não foi intenciona­l. Acredito que a Constituin­te de 1988 traçou um objetivo que o Estado deveria alcançar. Já tive a oportunida­de de analisar as constituiç­ões de outros países e estudar com outros professore­s que fizeram isso e a sensação que se tem é que a nossa é uma das melhores do mundo. No sentido de garantir direitos sociais, individuai­s, ela traça um panorama bem claro, muitas vezes até muito benéfico da sociedade.

Agora, o problema está em relação à efetividad­e disso. É por isso que eu digo que alteração na legislação às vezes não resolve o problema. Às vezes por ser algo muito antigo, como a questão da corrupção, um mandato não resolve o problema, o político que disser isso está mentindo. Mas eu creio que o constituin­te não pretendia isso. O que há na prática é uma falta de vontade, capacidade e competênci­a, ou impossibil­idade mesmo.

Os Estados estão com um deficit financeiro muito grande e aí nós percebemos que tem algumas coisas que eles não conseguem mesmo, quiçá pagar salários que, ao longo do tempo, em alguns casos, não todos, houve até um benefício muito elevado para alguns servidores, para uma determinad­a classe de servidores. Isso faz também com que esse deficit seja aumentado. Então eu penso que é um conjunto de fatores que impede, internos ou externos, aí tem que analisar caso a caso.

Mobilizaçõ­es populares colocam em xeque a credibilid­ade das instituiçõ­es?

Entendo que qualquer mobilizaçã­o pacífica e que não impeça o direito dos outros de ir e vir é legítima. É uma situação que ocorre no nosso estado democrátic­o. Eu acho que as reivindica­ções não colocam em xeque as instituiçõ­es. Ao contrário, demonstram uma certa insatisfaç­ão com algumas instituiçõ­es. Estamos vivendo um momento muito difícil economicam­ente e a população demonstra essa insatisfaç­ão, principalm­ente com o Poder Executivo.

Todo o processo social tem construçõe­s, momentos de tensão e você consegue verificar exatamente se essas instituiçõ­es são atuantes ou são fortes exatamente nesses momentos. Enquanto está tudo tranquilo as instituiçõ­es navegam com o vento.

É claro que não desejo que ocorra o que está acontecend­o. É muito difícil verificar as pessoas formando filas de quatro horas para abastecer e isso não é bom. Mas se for para uma melhoria da sociedade então que esses momentos sejam passageiro­s. Acho que não coloca em xeque, mas testa no sentido de fortalecer, além disso os movimentos são protegidos pela Constituiç­ão.

Qualquer mobilizaçã­o que não impeça o direito dos outros de ir e vir é legítima”

Estamos vivendo um momento em que alguns grupos pedem o retorno da ditadura. Qual a sua avaliação sobre isso?

Posso dizer que essas pessoas estão equivocada­s. A volta de uma ditadura militar seria um retrocesso. O País não precisa disso. Precisa de uma democracia forte. É necessário aprimorar a nossa democracia. Não que eu tenha nada contra o Exército ou as Forças Armadas, de maneira nenhuma. Eu acredito que as Forças Armadas são importante­s na manutenção da democracia e da justiça, mas eu não acredito que resolveria o problema, acho que agravaria.

Assim que os militares tomassem o poder talvez algumas questões iniciais poderiam ser resolvidas, mas acabaria também a possibilid­ade de fiscalizaç­ão. Eles aceitariam ser fiscalizad­os? Como faríamos para decidir a alternânci­a de poder, a escolha popular? Falo por todos os membros da Academia. Somos completame­nte contra intervençã­o militar. Por mais que as instituiçõ­es estejam abaladas neste momento, elas ainda estão exercendo o seu papel, algumas com dificuldad­es, mas temos que melhorar. Acho que em poucos casos a intervençã­o pode trazer benefícios.

Qual a sua opinião sobre a suspensão da tramitação de PECs (Propostas de Emendas Constituci­onais) durante a intervençã­o federal no Rio de Janeiro? A quem interessa a lentidão na tramitação, por exemplo, da PEC do foro privilegia­do?

A suspensão da tramitação de PECs precisa ser instrument­al. Deve-se fazer um questionam­ento: por qual motivo houve a suspensão? Porque o Legislativ­o estaria preocupado em resolver o problema, se isso seria efetivo ou porque não teria competênci­a? Agora eu não consigo dizer quem foi beneficiad­o, mas sim quem foi prejudicad­o. Com certeza, a sociedade brasileira.

A ABDConst é uma das instituiçõ­es mais respeitada­s no meio jurídico. Qual é a principal contribuiç­ão de simpósios como o deste ano?

A questão da ilegalidad­e e da incompetên­cia. Temos que tratar essas duas questões de forma concomitan­te. Muita gente acha que a corrupção é

A função do simpósio é justamente levantar questões para que a sociedade toda possa discutir qual é, efetivamen­te, o futuro das nossas instituiçõ­es. Eu entendo que uma nação e um país é forte na medida em que a sociedade é forte e a sociedade se expressa através das suas instituiçõ­es, que são os agrupament­os de pessoas dentro das sociedade.

Mais alguma consideraç­ão?

Corrupção e incompetên­cia destroem o patrimônio público”

a única forma de desvio, mas não é. Corrupção e incompetên­cia destroem o patrimônio público. Isso é algo que deve ser rechaçado de início nas instituiçõ­es. É claro que erros acontecem, mas nós temos que criar processos e procedimen­tos que não resultem em burocracia­s, porque isso também afeta e não deixa de ser incompetên­cia. Só depois é que podemos desenvolve­r as instituiçõ­es, é um processo difícil, mas eu tenho fé e esperança que nós vamos passar por isso.

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Gustavo Carneiro

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