O jazz volta à cena
O gênero reaparece com força no cenário musical de Londrina reunindo grupos locais e artistas que são referência nacional
Assim como em outros gêneros musicais, a transformação do jazz não foi diferente. Considerado um dos gêneros mais sofisticados da música instrumental contemporânea, o jazz moderno vai muito além em sua natureza: é uma expressão musical internacional sustentada pelo improviso, porém, baseada em estrutura rítmica, melódica e harmônica das mais refinadas teorias musicais. Por isso mesmo, apesar de ter suas primeiras manifestações em raízes essencialmente populares da cultura afro dos Estados Unidos no final do século 19, hoje, é comum grandes instrumentistas e grupos saírem das universidades e orquestras. E Londrina possui uma relação estreita com esse tipo de produção, da formação das Big Bands aos quartetos, há muitas décadas. Do ano passado para cá, inclusive, houve uma retomada forte do movimento trazendo à tona o jazz ao cenário musical na cidade. A partir de julho será realizado o “Circuito Londrina Jazz”, reunindo importantes nomes do jazz nacional.
Um desses grupos é o MUT 657, quarteto voltado ao free jazz criado na UEL (Universidade Estadual de Londrina) dentro do projeto de extensão Clic (Coletivo de Livre Improvisação Contemporânea), que existe desde 2013. A estreia do grupo ocorreu depois de um ano inteiro de ensaios, em dezembro de 2016 e, ao longo do ano passado, fez diversas apresentações com convidados. “Não temos um modelo determinado de música, não levamos nada pronto, fechado ou finalizado; cada apresentação é única. Apesar de toda improvisação ter um grau de liberdade de criação, respeitamos os elementos que pertencem ao estilo e marcam as várias linhas do jazz”, conta Fábio Furlanete, que toca sax tenor ao lado de Samuel Melo (sax alto), Edmilson Tomaz (contrabaixo) e Vinícius Lordelos (bateria), integrantes da formação atual e que devem lançar o primeiro CD no segundo semestre.
Como improvisação é a palavra-chave nessa expressão musical, segundo Furlanete, é preciso muito treino para a execução e, obviamente, muito conhecimento da linguagem musical. “No ‘free jaz’ o músico desenvolve um hábito de performance e, também, uma ética de escuta. As ideias vão se complementando e formando uma composição muito orgânica.” Assim, além do conhecimento, a comunicação, interação e sensibilidade tornam-se fundamentais nessa relação, pois, ainda que existam os solos e execuções independentes, precisa haver conexão entre os músicos para tornar a composição fluida. “É um desafio grande que precisa ser trabalhado e experimentado pelo profissional. O domínio, certamente, amplia as habilidades como músico. É um projeto refinado da música instrumental moderna”, explica.
E para quem acreditava que o jazz resumia-se à música com suingue do jazz tradicional ou de baile, o jazz moderno mostra que é totalmente voltado à contemplação e nada tem de popular ou comercial. A apresentação, geralmente, é dividida em temas e, dessa forma, pode levar quase uma hora de forma ininterrupta, o que, num primeiro momento pode causar estranheza ao público. “Uma apresentação de jazz é comparada a um concerto de orquestra. Digo que quem vai assistir precisa estar apenas disponível para ouvir algo que não está acostumado, independentemente do hábito de escuta”, completa. Dessa forma, num primeiro momento, a apreciação pode levar a uma experiência de sonoridade “caótica” – contudo estratégica - já que a música se transforma ao longo de sua execução. “O interessante é que, como não há um formato, as pessoas sempre voltam querendo ver o que vamos mostrar e serem surpreendidas por algo diferente.”
JAZZ EM LONDRINA
Londrina tem uma trajetória na formação de músicos de jazz, exportando talentos para todo o mundo. Na história recente, Helcio Müller, no início da década de 1990 formou o “Ensemble Pano de Pó” juntamente com o professor e músico londrinense Mário Loureiro, apresentando um repertório de jazz com instrumentos antigos. Anos mais tarde, em meados de 2000, surgiu o projeto Cinemática, liderado pelo bai- xista Filipe Barthem em parceria com o saxofonista Wesley Cesar e o guitarrista Emílio Mizão. Ao longo deste ano, o professor e multi-instrumentista André Siqueira também tem feito projetos específicos voltados à musica instrumental, intitulada “Brasilidades”. Este ano ganharam destaque ainda o “Diogo Burka Quarteto” e o projeto “Mateus Gonsales convida”. “Temos dois eventos mensais fixos de jazz que sempre chamam um público interessado em música instrumental e autoral”, diz Valdomiro Chammé, sócio do tradicional Bar Valentino, famoso por abrigar eventos do gênero.
UM JAZZISTA NATO
O saxofonista Vitor Hugo Gorni, antes mesmo de atuar na Osuel (Orquestra Sinfônica da UEL) por muitos anos até se aposentar, já tinha uma relação antiga com o jazz. Começou a carreira em uma Banda Sinfônica Municipal e tão logo ingressou na famosa Orquestra de Bailes de Gervásio Nunes. “Foi nessa época que demos início ao projeto “Jazz Mania”, o primeiro grupo da cidade com esse modelo voltado ao jazz moderno de concerto”, lembra, referindo-se ao quarteto formado por ele em parceria com Gilson Corsaletti, Marcos Santos e Paulo Wesley Deggau. Tempos depois, daria início a “Londrina Big Band”, hoje chamada VG Orquestra. “A formação atual é menor, com menos integrantes, mas com o mesmo espírito”, conta ele, que é filho de Altino Gorni, fundador da “Gorni e sua Orquestra”, que nas décadas de 1940 e 1950 fez muita gente dançar ao sons dos bailes em clubes e jantares.
Gorni comenta que os grupos de sua geração em diante foram apurando e enriquecendo, sobretudo, as harmonias, chegando a um grau de conhecimento teórico semelhante ao grupos eruditos. “Os músicos atuais possuem total domínio musical para poderem dar vazão à criatividade na composição, que não, porém, deixa de ser arrojada.” Dentre os trabalhos que desenvolveu além da “VG Orquestra”, que mantém até hoje, estão o CD da Londrina Jazz Band, lançado em 2003, com suas composições e arranjos. Em 2005 lançou o CD “Vitor Gorni Entre Amigos”, com composições e arranjos próprios com a participação de renomados músicos de Londrina. Em 2009 lançou o CD “Vitor Gorni Entre Eles”. “O jazz não é apenas um gênero ou estilo, é uma liberdade de expressão musical que pode ser vista em várias linguagens”, completa.