Desinformação e radicalismo
As ditaduras, quaisquer que sejam os seus matizes, não admitem a divergência, não admitem o dissenso, aliás, não admitem o próprio ato de pensar, quanto mais pensar o contrário”
Ao longo do movimento grevista dos caminhoneiros que nas últimas semanas paralisou o Brasil, foi possível identificar uma parcela minoritária e claramente desinformada de grevistas conclamando os militares a uma intervenção no País, ao suposto de superar a crise política instalada a partir da divulgação dos resultados das investigações sobre as práticas de corrupção no núcleo do governo central e no Congresso Nacional.
Essas manifestações tomaram algum vulto na sociedade brasileira em razão das redes sociais, que hoje banalizam a discussão mais séria sobre qualquer assunto. De qualquer forma vale lembrar que este tipo de manifestação somente é possível numa democracia, jamais numa ditadura. As ditaduras, quaisquer que sejam os seus matizes, não admitem a divergência, não admitem o dissenso, aliás, não admitem o próprio ato de pensar, quanto mais pensar o contrário.
As ditaduras são a antítese da democracia. Alguém que viveu o período de 1964 a 1985 poderia imaginar naqueles tempos sombrios, uma greve de caminhoneiros como esta enfrentada pelo País nestes últimos dias? Evidente que não! Logo, há uma contradição na própria manifestação em si, pois greve e manifestação pela volta de militares ao poder só é possível num regime de plena liberdade de pensamento e expressão, ou seja, somente num regime democrático. Isto sem falar que a Constituição Federal não prevê este tipo de intervenção, ao contrário, veda que a ordem democrática, que o Estado de Direito seja quebrado por qualquer forma de intervenção fora da disciplina legal.
A Constituição Federal proclama expressamente em seu artigo primeiro que a República Federativa do Brasil “constitui-se em Estado Democrático de Direito” e no seu parágrafo único reza também expressamente que “todo o poder emana do povo”, que o exerce através de seus representantes eleitos ou de forma direta. Quebrar a ordem jurídica, a ordem constitucional, assim, é agir contra os valores democráticos que regem a sociedade brasileira, uma violência inadmissível no estágio civilizatório que o país vive nos dias atuais.
As Forças Armadas têm seu relevantíssimo papel definido no art. 143 da Carta Magna, a saber, a defesa da Pátria, garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Sua atuação, à luz do mencionado dispositivo constitucional, assenta-se na hierarquia e disciplina, sob autoridade do Presidente da República. A condução política do País não compete às Forças Armadas e sim, ao Poder Civil, por previsão constitucional.
O que o Brasil precisa no momento é de mudanças estruturais, de mudanças políticas profundas na trilha do desenvolvimento social, com vistas a reduzir as injustiças sociais que são evidentes em todas as regiões do País. Isto somente é possível num regime de liberdades democráticas, em que cada cidadão possa fazer a melhor escolha na hora do exercício do voto. O caminho para a melhoria da condição de vida dos caminhoneiros e de todos os demais brasileiros é o da democracia, pois só nos regimes democráticos o povo tem soberania na escolha de seus governantes.
A OAB, em respeito ao seu histórico de defesa da democracia e do regime de liberdades, rejeita a ideia de qualquer ruptura da ordem jurídica e do Estado Democrático de Direito, exatamente por saber que fora da Democracia não há solução.