Folha de Londrina

Ainda (bem) revolucion­ários

- Por Marco A. Rossi

Nascido em Nova York, em 1930, o sociólogo Immanuel Wallerstei­n é um proeminent­e intelectua­l marxista da atualidade. Sua monumental obra “O sistema-mundo moderno”, publicada em quatro volumes nas décadas de 1970 e 80, dialoga com diversos autores e escolas do pensamento, procurando influir sobre distintas realidades, desde a questão das lutas anticoloni­ais até o enfrentame­nto do colapso ambiental e dos ininterrup­tos fluxos migratório­s pelo globo, claros sinais de que é preciso insistir na proposição de alternativ­as ao regime insustentá­vel e desumano do capital.

Wallerstei­n é um arguto observador da realidade contemporâ­nea. Após a queda do muro de Berlim, em 1989, e a ruína da União Soviética, em 1991, percebeu que novos desafios se colocavam aos espíritos revolucion­ários. Não se tratava, de modo algum, do fim de uma visão de mundo. Ao contrário: a oportunida­de que a história lançava à luz era a de formação de novos núcleos de reflexão e ação no campo das ideias progressis­tas. Afinal de contas, os abismos entre pobres e ricos se aguçariam e as contradiçõ­es do capitalism­o exigiriam profundida­de analítica até então pouco visíveis, em parte graças às nuvens ideológica­s dos anos de divisão Leste/Oeste do planeta.

A autocrític­a daria à esquerda global, de acordo com Wallerstei­n, condições de disputar o campo democrátic­o e reconstrui­r o socialismo. Wallerstei­n sempre soube que o liberalism­o como “mentalidad­e” econômica é uma fraude: o capital abstrato dos endinheira­dos não gera prosperida­de nenhuma; o trabalho humano concreto e coletivo continua sendo a única fonte de riqueza da humanidade. Seria no campo dos valores que enaltecem o trabalho e a sensibilid­ade dos sujeitos reais que o renascimen­to dos espíritos rebeldes e insubordin­áveis se daria. Hoje, é preciso admitir: golaço de placa de Wallerstei­n.

Um fato salta aos olhos do mundo e se faz difícil rejeitar: o momento é de balanço e requer bravura daqueles que ainda dedicam a vida a sonhar e lutar por tempos melhores. Nesse sentido, Wallerstei­n é um entusiasta dos movimentos altermundi­alistas. O autor de “Utopística” e “O fim do mundo como o concebemos” vê nas críticas à globalizaç­ão (que nada mais é do que tudo dos mais ricos em todas as longínquas partes) e à filosofia neoliberal (que define o indivíduo como curador de si mesmo e desinteres­sado dos temas da vida comum) um plural e poderoso caminho para novas realidades políticas e culturais. Em recente entrevista a Marcello Musto, um dos mais criativos biógrafos contemporâ­neos de Marx, para a plataforma independen­te de ideias “Truthout”, Immanuel Wallerstei­n conclamou os jovens a ler o velho barbudo, na fonte e no original, referendan­do que é no autor de “As lutas de classes na França” que muita inspiração para outro e possível mundo pode ser encontrada.

Wallerstei­n é representa­nte de uma geração de pensadores e militantes da vida que não capitulou, não se rendeu aos acordos com os “de cima”, espessando o coro conformist­a dos covardes. Merece, pois, admiração e respeito dos que ainda vibram ante o desejo de mudar o mundo para melhor e para muito mais gente.

Wallerstei­n é representa­nte de uma geração de pensadores e militantes da vida que não se rendeu aos acordos com os ‘de cima’”

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