PF atribui a Temer obstrução de Justiça para ‘comprar’ silêncio de Cunha
Relatório da Operação “Cui Bono” dedica um capítulo somente para a suposta ação do presidente, que não está entre os indiciados
São Paulo e Brasília -
Sem poder indiciar o presidente Michel Temer em inquérito sobre fraudes na Caixa, a Polícia Federal atribuiu ao presidente “indícios suficientes” de ação na suposta compra do silêncio do expresidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ).
Relatório da Operação ‘Cui Bono?’, que mira desvios na Caixa, dedica um capítulo somente para a suposta compra do silêncio de Cunha e do delator Lúcio Funaro pelo presidente Michel Temer. O emedebista é apenas citado, ele não está entre os indiciados porque detém foro privilegiado.
O documento de conclusão do inquérito sobre fraudes no banco público indicia 16 pessoas, entre elas Cunha, o ex-ministro Geddel Vieira Lima, Funaro e executivos dos grupos Bertin, Constantino - Henrique Constantino, dono da Gol -, Marfrig e J&F.
Segundo o relatório, no edifício probatório dos autos do inquérito 4483/STF, da Operação Patmos, foram verificados indícios suficientes de materialidade e autoria atribuível a Michel Miguel Elias Temer Lulia, Presidente da República, no delito previsto no Artigo 2.º, inciso 1, da 12.850/13, por embaraçar investigação de infração penal praticada por organização criminosa.
De acordo com o relatório, na medida em que incentivou a manutenção de pagamentos ilegítimos a Eduardo Cunha, pelo empresário Joesley Batista, ao tempo em que deixou de comunicar autoridades competentes de suposta corrupção de membros da Magistratura Federal e do Ministério Público Federal que lhe fora narrada pelo mesmo empresário.
A PF se refere ao dia 7 de março, em que Temer foi gravado em encontro fora da agenda por Joesley. Na conversa, o delator narrou ao presidente a suposta ajuda financeira a Eduardo Cunha e a Lúcio Funaro com o fim de que não firmassem acordos de colaboração com as autoridades.
Em delação premiada, o executivo afirmou ter feito pagamentos de R$ 5 milhões após a prisão de Eduardo Cunha como saldo da propina de R$ 20 milhões pela relacionada à desoneração tributária do setor do frango. Também narrou pagamentos mensais de R$ 400 mil em benefício de Funaro. Ele relata que Temer tinha ciência disso.
Ao ouvir de Joesley sobre os pagamentos, o presidente teria dito: “Tem que manter isso, viu?”
O relatório cita ainda ação controlada da Polícia Federal em que a irmã do doleiro Lúcio Funaro é flagrada recebendo uma mala de dinheiro do delator Ricardo Saud, da J&F, nos fundos de uma escola situada no complexo da JBS. Em delação premiada, o doleiro confirmou ter um pacto de silêncio com Joesley firmado quando a Operação Lava Jato começou a seguir o rastro de Eduardo Cunha. O pacto envolveria suposta assistência à sua família pela J&F.
DEFESAS
A reportagem entrou em contato com a assessoria do Palácio do Planalto, mas não obteve retorno.
Em nota, o advogado Délio Lins e Silva Júnior, que defende Eduardo Cunha, disse que “por mais kafkaniano que possa parecer, embora a imprensa já tenha acesso ao relatório, os advogados ainda não tiveram esse privilégio e aguardam para eventual manifestação sobre o documento”.
O advogado Gamil Foppel, da defesa de Geddel Vieira Lima, não respondeu aos contatos da reportagem até a conclusão da reportagem.
Já a Marfrig afirmou que em de maio de 2018 o empresário Marcos Molina dos Santos firmou com o Ministério Público Federal um termo de compromisso de reparação de eventuais danos relacionados às investigações da Operação Cui Bono, mas que não se trata de um acordo de colaboração ou de delação e não há admissão de qualquer culpa por parte do empresário, que mantém suas atividades empresariais inalteradas.
A defesa do empresário Joesley Batista reafirma que ele é colaborador da Justiça. Em nota, Henrique Constantino diz que “segue colaborando com as autoridades para o total esclarecimento dos fatos”.