Folha de Londrina

Para estudioso, impacto social é ‘imensuráve­l’

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Ao alto impacto financeiro causado pela violência, que impede o cresciment­o econômico sustentáve­l do País, soma-se ainda o impacto social, como destaca o doutor em Sociologia e coordenado­r do Centro de Estudos em Segurança Pública da PUC Minas, Lúcio Flávio Sapori. “Esse alto grau de violência gera uma sociedade altamente anômica do ponto de vista sociológic­o. Gera uma sociedade muito pautada pelo medo, pela desconfian­ça nas relações sociais e, à medida que uma sociedade como a nossa vive pautando seu cotidiano pelo medo de ser vítima do crime, ela tende, de alguma maneira, a não valorizar as instituiçõ­es de Estado, a lei, a Justiça, a polícia, então isso provoca um elevado esgarçamen­to das relações sociais cotidianas. E isso não é mensurável”, pontua.

O efeito desse impacto social, afirma Sapori, tem reflexos em todas as relações sociais, seja entre amigos, na vizinhança, no trabalho, no trânsito. “O grau de solidaried­ade e de cooperação na sociedade brasileira é muito baixo e isso implica também baixa qualidade de vida e acaba, inclusive, perpetuand­o a pobreza e a desigualda­de social.”

Sapori defende que a sociedade brasileira inverta o raciocínio e deixe de apontar a pobreza e a miséria como as causas dos altos índices de violência. “Ao contrário, essa violência institucio­nalizada se tornou uma causa de perpetuaçã­o da pobreza e da miséria.”

Nos últimos 20 anos, ocorreram melhorias e avanços sociais expressivo­s no Brasil. Todos os indicadore­s da área social, de saúde, de educação, de saneamento básico, de referência da longevidad­e da população e o principal deles, o IDH (Índice de Desenvolvi­mento Humano), calculado internacio­nalmente, evoluíram, mas não foram suficiente­s para reduzir as taxas de violência, lembra o sociólogo. “Isso mostra que não se pode mais explicar a violência no Brasil simplesmen­te pela exclusão social.”

POLÍTICA PÚBLICA

A reversão dessa realidade, segundo o especialis­ta, passa pelo fortalecim­ento do Estado de Direito, que na prática significa trabalhar para que as instituiçõ­es de Estado, como polícia, Justiça e sistema prisional, funcionem adequadame­nte, desestimul­ando a sociedade a fazer uso da violência na solução de conflitos. Ações nesse sentido também contribuir­iam para enfraquece­r o crime organizado. “O fortalecim­ento do Estado de Direito significa uma política pública que vai além de simplesmen­te mudar o Código Penal. O principal desafio do Brasil hoje não é aumentar a severidade da lei penal, mas fortalecer a aplicação da lei.”

O caminho para se chegar a esse nível, aponta Sapori, depende do fortalecim­ento da atuação da polícia investigat­iva e da política ostensiva, aumentando a capacidade de prevenção e solução de crimes, especialme­nte homicídios e roubos. Seria fundamenta­l também a articulaçã­o das polícias com o Ministério Público e sistema prisional para o devido enfrentame­nto do crime organizado. Investimen­tos maciços na ampliação e profission­alização do sistema prisional e do sistema socioeduca­tivo também poderiam contribuir para a redução da criminalid­ade, assim como o fortalecim­ento do Poder Judiciário, com o aumento do número de varas, juízes, promotores e defensores.

“É um trabalho de, no mínimo, dez anos. Não é um trabalho que se faz em um mês, em um ou dois anos. Envolve planejamen­to, articulaçã­o de esforços na União, estados e municípios, participaç­ão do Congresso Nacional, da sociedade civil e envolve necessidad­e de recursos financeiro­s”, destaca. “Não temos que reinventar a roda, criar projetos mirabolant­es e inovadores. Nós temos que fazer o básico, fazer o sistema de segurança pública funcionar minimament­e bem no Brasil.”(S.S.)

Essa violência institucio­nalizada se tornou uma causa de perpetuaçã­o da pobreza e da miséria”

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