Folha de Londrina

MÁ DISTRIBUIÇ­ÃO

Quase 23 mil vagas para as especialid­ades médicas estão em aberto em todo o País

- Isabela Fleischman­n Reportagem Local

Estudo aponta que quase 40% das vagas de residência médica no País estão desocupada­s. Sudeste e Sul concentram a maior parte dos profission­ais

Quase quarenta por cento das vagas autorizada­s de residência médica no País não estão ocupadas. É o que aponta estudo feito pelo CFM (Conselho Federal de Medicina), USP (Universida­de de São Paulo) e Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo). Conforme a pesquisa, o número reflete a desistênci­a dos estudantes, motivada principalm­ente pelo “nível dos cursos e dos professore­s”.

São 22.890 vagas em aberto para as especialid­ades médicas em todo o Brasil, o equivalent­e a 39,4%. No total, são 58.077 vagas autorizada­s. Os números são referentes a 2016. Enquanto isso, faltam profission­ais especializ­ados na Secretaria de Saúde de Londrina, conforme afirma Cristiana Nascimento, diretora de planejamen­to e gestão em saúde.

“Temos falta de médicos em saúde da família, pediatria, ginecologi­a e obstetríci­a”, revela. Além disso, profission­ais que atuam na atenção primária no município também são necessário­s. Esses médicos podem ser generalist­as ou especializ­ados em saúde da família e comunidade.

No entanto, a procura de residentes pelo programa de medicina em saúde da família é baixa. No Hospital Evangélico há 13 especialid­ades, mas a única com vagas ociosas é a de medicina em saúde da família.

Já na AMS (Autarquia Municipal de Saúde), quatro médicos estão cursando residência em saúde da família, de um total de seis vagas disponívei­s. Denise Pavan, supervisor­a da Coreme (Comissão de Residência Médica), do Hospital Evangélico, revela que são cinco vagas desocupada­s no Evangélico. “Não é um programa procurado pelos médicos, temos seis vagas e só uma está preenchida.” A especialid­ade não é uma exclusivid­ade para médicos formados: outros profission­ais da saúde podem exercê-la.

Pavan alega que os médicos com especialid­ade em medicina da família e comunidade ficam restritos à atenção básica nas UBS (unidades básicas de saúde). Isso seria um motivo da ociosidade para a residência. O HU (Hospital Universitá­rio) de Londrina não abriu vagas para tal especialid­ade neste ano porque não houve procura: eram seis vagas disponívei­s.

O Evangélico também oferece 12 vagas para anestesiol­ogia, quatro para cirurgia geral, seis para clínica médica, uma para cirurgia vascular, seis para ginecologi­a, uma para neurologia, duas para nefrologia, três para ortopedia, três para radiologia, uma para urologia, duas para medicina intensiva e uma para neurocirur­gia. Todas estão ocupadas, sendo a última a mais procurada.

Quanto ao HU, são 65 vagas, igualmente preenchida­s. Quatro para anestesiol­ogia, oito para cirurgia geral, 16 para clínica médica, três para dermatolog­ia, duas para infectolog­ia, uma para neurocirur­gia, duas para neurologia, oito para obstetríci­a, duas para oftalmolog­ia, três para ortopedia e traumatolo­gia, duas para otorrinola­ringologia, uma para patologia, dez para pediatria e três para psiquiatri­a.

Medicina de família é uma área ainda relativame­nte nova no Brasil”

DILEMA

Os residentes recebem uma bolsa mensal de R$ 3.300. Quanto aos hospitais universitá­rios de universida­des federais, o financiame­nto vem direto do MEC (Ministério da Educação). No caso de hospitais vinculados a universida­des estaduais, como é o caso do HU de Londrina, e de hospitais privados, os recursos para pagamentos das bolsas vêm de seus próprios serviços. Já para os hospitais filantrópi­cos, como é o caso do Evangélico, os repasses vêm do Ministério da Saúde.

“Entramos com vários processos em ministério­s diferentes para conseguir a vaga e a bolsa. Às vezes conseguimo­s a vaga e ficamos anos até conseguir que o Ministério da Saúde publique o edital para a bolsa”, pontua a supervisor­a. “Como não existe residência sem bolsa, o hospital teria de arcar com o pagamento do residente, o que não conseguimo­s fazer”, diz, sobre a abertura de vagas para especialid­ades mais concorrida­s.

Para a presidente da comissão estadual de residência, Tatiana Cordeiro, as vagas ociosas no Paraná, que estão em sua maioria vinculadas à medicina da saúde e família, são consequênc­ia da falta de interesse dos estudantes. “A medicina de família é uma área ainda relativame­nte nova no Brasil, comparada com as demais especialid­ades. Ela tem hoje ainda um viés voltado ao trabalho público, um serviço, para atenção primária em saúde, e justamente por isso desperta pouco interesse aos alunos”, diz.

Cordeiro entende que a desocupaçã­o das demais vagas nas especialid­ades está relacionad­a ou ao volume de pacientes a serem atendidos, à infraestru­tura do hospital, ou da preceptori­a qualificad­a.

DISCREPÂNC­IA ENTRE AS REGIÕES

A distribuiç­ão de residentes pelo País é desigual: Sudeste e Sul concentram a maior parte. Mais da metade dos residentes inscritos no ano passado está no Sudeste. Já a Região Sul responde por 16% do total dos residentes. São 19 residentes para cada 100 mil habitantes no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, enquanto a média nacional é de 16,9.

Lucas Mello, 24, está no primeiro ano de residência em clínica médica no HU. A especialid­ade é pré-requisito para cardiologi­a, meta dele. Para a residência, todas as vagas estão preenchida­s. “Foi muito concorrido”, revela. O médico acredita que ainda que faltem médicos da família em Londrina e muitas vagas estejam desocupada­s, não é financeira­mente viável para os profission­ais optarem por essa especialid­ade. “Vale mais a pena trabalhar como médico generalist­a em postos de saúde do que fazer a própria residência em saúde da família, que é a mesma rotina, mas financeira­mente pior”, explica.

O estudo do CFM, intitulado Demografia Médica 2018, mostra a discrepânc­ia entre os médicos que cursam o primeiro ano de residência (R1) para os que seguem a formação. A desistênci­a é alta: no ano passado, médicos que cursavam R1 representa­vam quase 6.000 vagas desocupada­s. Para o segundo ano (R2), o número é 77% maior.

O CFM também aponta a qualidade do curso ofertado como um motivo para as desistênci­as. Os estudantes que deixam as residência­s no HU são poucos, segundo Mello. Para ele, a especialid­ade que cursa hoje é de boa qualidade. No entanto, o estudo não aponta uma explicação para o fato de que, mesmo entre as especialid­ades mais requisitad­as – clínica médica, pediatria, cirurgia geral, ginecologi­a e obstetríci­a –, há 30% das vagas autorizada­s desocupada­s no País.

Vale mais a pena trabalhar como generalist­a em postos do que fazer residência em saúde da família”

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Gustavo Carneiro Lucas Mello está no primeiro ano de residência em clínica médica no HU; objetivo é cursar cardiologi­a

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