Folha de Londrina

‘Piada’ com a moça russa

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“Eu achei engraçado”- você disse - e eu fiquei pensando se talvez a gramática concreta e exata, que você faz questão de usar quando precisa se autoafirma­r, seria mais fácil e descomplic­ada que toda essa mania de dividir o mundo em dois e se colocar sempre do lado bom e certo. Eu que sempre me considerei uma pessoa com humor num nível razoável, e até relevei muitas coisas por considerar mais ignorância de quem o faz do que qualquer outra coisa, me perguntei - pelo amor de Deus, da física quântica ou de qualquer outra coisa que se valha pedir amor - onde estava a graça em ver brasileiro­s fazendo o que, erroneamen­te, chamaram de “piada” com a moça russa? Você, o autoprocla­mado do lado bom e certo, achando aquilo engraçado, não faz uso excessivo do português correto para ganhar admiração. Não apenas por isso. Mas também para uma forma camuflada que você encontrou de sempre mostrar o quanto sabe mais que os outros. É algo seu com você mesmo.

Lembrei o quanto as mulheres russas já sofrem pela lei revogada de violência doméstica. Lá podem apanhar até uma vez por ano e o agressor só pode ser preso caso algum osso da vítima seja quebrado. Depois pensei em ressaltar que aquilo não era só machismo, pois a partir do momento que suas escolhas – ou classifica­ção de bonito e feio para o sexo – são pautadas em mais e menos rosinha, o machismo se mescla a um preconceit­o racial onde mulheres negras, por exemplo, que não possuem órgão sexual “bem rosinha”, estão excluídas.

Eu pensei em tudo isso enquanto observava você usar suas mesóclises, com peito arfado e tentando justificar que “brasileiro é assim mesmo”, que “o mundo está chato”, e fiquei triste. Triste por saber o quanto as imagens do humor e do brasileiro têm linha tênue com o humor e o brasileiro que eu acredito. Mas também fiquei feliz por saber que no seu mundo, dividido em dois, o seu lado bom e certo nãoéomeu.

E aqui esclareço que o uso do pronome demonstrat­ivo “seu” e não “teu” não é somente pelo fato de que “você” pode ser qualquer pessoa. Perto ou longe de mim – e isso sim é impessoal – mas, principalm­ente por saber que nossa gramática concreta e exata tem mais coerência que o conceito daqueles caras e o seu. Até porque, quem de mim se aproxima só recebe o bem. Cada um oferece o que tem.

EMILIANA ALVES DA SILVA

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