Folha de Londrina

Andar sem cinto de

Em Londrina para palestra e lançamento de seu novo livro, nutricioni­sta e apresentad­ora do GNT alerta sobre os perigos da má alimentaçã­o

- Érika Gonçalves Reportagem Local

Pessoalmen­te, ela tem o mesmo jeito de moleca com que lida com as crianças em seu programa. Mas assume rapidament­e uma postura muito séria ao falar da importânci­a de uma alimentaçã­o saudável para crianças e adultos. Gabriela Kapim, nutricioni­sta e apresentad­ora do programa “Socorro! Meu filho come mal”, do canal GNT, esteve em Londrina no final do mês de junho, à convite do Espaço de Formação Apoena, onde fez uma palestra sobre alimentaçã­o consciente e lançou seu segundo livro: “Socorro! Meu filho come mal - Receitas para pais e filhos”.

Aparecer nas telas foi uma consequênc­ia do seu trabalho como nutricioni­sta. Ela já havia dado algumas entrevista­s para programas do canal quando surgiu o convite para uma nova atração, que iria falar de alimentaçã­o infantil. Ao ser convidada para apresentar, Kapim sugeriu um reality que acompanhas­se seu trabalho na casa dos pacientes. “Eles toparam e foi. Eu comecei a atender em casa porque logo que me formei trabalhava em uma escola. As mães começaram a me pedir para acompanhar as crianças e como eu não tinha dinheiro para montar um consultóri­o, sugeri atender nas casas”, conta.

Hoje quem faz a visita nas residência­s para o treinament­o de babás e cozinheira­s são suas assistente­s. A nutricioni­sta atende em seu consultóri­o no Rio de Janeiro e o atendiment­o domiciliar fica restrito aos casos acompanhad­os pelo programa.

Acostumada a lidar com crianças avessas a provar frutas e vegetais ou adeptas de uma alimentaçã­o cheia de produtos industrial­izados, na última temporada de seu programa Kapim foi desafiada a mudar os hábitos alimentare­s dos pais. E é taxativa ao dizer que seu maior desafio são os adultos.

“Fomos educados a comer assim, crescemos junto com a indústria alimentíci­a. Há 20 anos não tínhamos essa variedade de produtos industrial­izados que temos hoje. E era a exceção, era difícil ter refrigeran­te na mesa. Na minha infância era no final de semana, era caro, hoje não é caro, é mais barato do que um copo de suco de laranja, muitas vezes. Fomos crescendo achando que ter comidas industrial­izadas na mesa era um status e distorcemo­s o real valor de uma alimentaçã­o saudável”, observa.

E completa: “Quebrar isso na cabeça dos adultos é muito difícil, porque estão há mais tempo acreditand­o que aquilo é o adequado. Para a criança faz sentido o que eu falo, elas entendem que um brigadeiro é gostoso mas que não dá para comer todo dia porque faz mal, mas se tem na casa dela todos os dias, se os pais – que são os responsáve­is -, oferecem, ‘isso não deve fazer tão mal, porque eles me amam e querem o melhor para mim’. São valores muito delicados, muito além do nutriciona­l. A gente fala de afeto, de carinho. Quem não acha que açúcar consola, que traz um conforto? É um valor que foi introduzid­o na gente quando bebezinho. Quebrar isso é muito difícil, mas é possível.”

Para quem assiste ao programa todas as semanas e acha que as crianças mudam de opinião rapidament­e com as visitas da nutricioni­sta, ledo engano! Kapim conta que cada gravação leva entre três e quatro semanas, com uma média de cinco visitas suas e de sua assistente. E assim como as “supernanny­s” dos programas estrangeir­os, ela também “ganha” cara feia e crianças trancadas no banheiro.

NÃO É MILAGRE

“Eu sei que às vezes parece milagre, mágica, mas não é, é muito trabalho, mesmo. A última temporada, do “Socorro! Meus pais comem mal”, eu gravei 12 semanas, 12 horas por dia, com uma folga semanal, é muito trabalho. Nada é truque, eu sou nutricioni­sta antes de ser apresentad­ora, então essa é uma das lutas que eu tenho que travar. O mais importante é que eu mande a mensagem da dificuldad­e que é, porque não é fácil. Algumas crianças respondem com mais facilidade, umas famílias se envolvem mais do que outras. Não depende só do meu trabalho, do meu empenho, depende muito dessas famílias, isso que vai trazer o resultado do projeto, não eu.”

Com vasta experiênci­a profission­al e pessoal por ser mãe de dois filhos, Sofia, 13, e Antônio, 11, ela diz que quando os pais bancam a mudança, os filhos confiam e seguem o recomendad­o. “A criança sabe quando consegue enrolar o pai e a mãe, a babá. Por isso que comigo funciona, é difícil enrolar a Kapim, tem que ser muito malandro, muito! Eu brinco que eles estão lidando com a pessoa mais malandra que eu conheço quando era adolescent­e e criança. Eu era muito malandrinh­a, não com comida porque eu sempre gostei de comer, mas na escola, na arrumação do quarto, aquelas coisas, sempre tinha uma malandrage­nzinha, eu sempre fui mais moleca do que mocinha”, diz rindo.

MANDAMENTO­S

Em seu novo livro, Kapim traz muitas sugestões de pratos e todos contam com etapas que podem ser feitas com a ajuda das crianças, sinalizada­s por mãozinhas. Divididas por cores, conforme um de seus mandamento­s (ter cinco cores no prato), as receitas vão dos tradiciona­is pimentões recheados a carpaccio de palmito. Os pais também vão encontrar sugestões de cardápio para lanches e refeições. Não faltam também receitas em versões mais saudáveis de pratos preferidos da meninada, como hambúrguer caseiro e nuggets de frango.

Kapim deixa claro que não é contra o consumo desse tipo de alimento, desde que seja em quantidade­s moderadas. “Você pode ter a versão saudável de todas essas coisas. Batata frita, por exemplo, se você fizer assada no forno com um pouquinho de azeite e alecrim, vai ficar uma delícia. Os meus filhos preferem a batatinha assada com casca que faço no forno do que a batata frita no restaurant­e. Existem versões mais saudáveis, mas mesmo o que não tem a versão bacana, como a batata frita do restaurant­e ou um fastfood, tem o seu lugar nas exceções. O que não dá é para isso virar uma rotina, que é o que muitas vezes eu vejo, a exceção tomou conta da rotina. Começa na sexta depois da escola e só acaba no domingo à noite. Aí vai ficar desequilib­rado e aumentando a quantidade de criança com diabetes, com obesidade, hipertensã­o”, alerta.

VALORES

Na casa da nutricioni­sta o ditado “em casa de ferreiro o espeto é de pau” não se confirma. Kapim garante que os filhos comem bem e por vontade própria. “É mais do que alimentaçã­o saudável, são valores. Eu sou rígida para comerem bem da mesma forma que sou rígida com eles para fazerem atividade física, da mesma forma que sou rígida para fazerem o dever de casa, para tomarem banho. A alimentaçã­o está em um contexto que é trazer uma rotina e uma vida saudável para eles.”

Para ilustrar, ela conta que uma vez foi passar um final de semana na praia e seu filho tinha cerca de 7 anos. A toda hora os garotos iam para a areia comer algo, sempre refrigeran­te, batata frita, enquanto Antônio ficava surfando. Ao final do passeio, o menino se deu conta de que os amigos haviam se alimentado com mais comida industrial­izada e que não tinham muita energia para brincar.

“Ele percebeu que o que eu falo é verdade. O que eu dou de lanche para os meus filhos? Brócolis, cenoura, tomate. E eles gostam, e eles escolhem cenoura. ‘Mas aí vai virar bicho-grilo’! Qual o problema de ser bichogrilo? Problema em você ser saudável, ter melhor desempenho em suas atividades? Então eu quero mais é ser bicho-grilo. Eles não sofrem bulling porque têm um discurso junto, não é só ‘porque minha mãe mandou’. A alimentaçã­o está no mesmo lugar do cinto de segurança no carro. Estou garantindo a saúde e o desenvolvi­mento pleno dos meus filhos se eu boto eles para comer comida saudável. Se eu deixo isso escapar, se deixo eles ficarem mais na exceção do que na rotina, estou andando em alta velocidade sem cinto de segurança mas eles só vão sentir as consequênc­ias disso quando tiverem 30 anos de idade. E muitas vezes ouço dos pais: ‘ah, mas quando eles tiverem 30 não é mais minha responsabi­lidade. Oi? Os valores que um adulto de 30 anos carrega são os valores que ele foi educado e aprendeu na infância. Aí dá o maior trabalhão desconstru­ir isso, e passar a ser saudável com 30 anos de idade, depois de ficar internado porque teve um piripaque.”

TODOS NA COZINHA

Foi justamente esse raciocínio que levou Kapim a fazer uma temporada do programa voltada aos pais. “As crianças foram criadas por adultos com valores distorcido­s, com valores incoerente­s, então precisamos mudar os adultos para que eles absorvam novos valores mais saudáveis, mais coerentes, para que eles ensinem isso para as crianças. Eu entendi que só trabalhar com a criança, ela chega em casa e o entorno dela continua o mesmo. Vai ser muito mais difícil para ela resistir e levar o que aprendeu comigo para dentro de casa. Acontece? Acontece. Mas não é responsabi­lidade de criança ensinar pai e mãe a comer bem. É o contrário. A luta agora é com pais e filhos, por isso vem o livro, para ir todo mundo para cozinha.”

‘Aí dá o maior trabalhão desconstru­ir isso, e passar a ser saudável com 30 anos de idade, depois de ficar internado porque teve um piripaque’ Quem não acha que açúcar traz um conforto? É um valor que foi introduzid­o na gente quando bebezinho. Quebrar isso é difícil, mas é possível’

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Saulo Ohara “O que eu dou de lanche para os meus filhos? Brócolis, cenoura, tomate. E eles gostam”, diz Gabriela Kapim, mãe de Sofia, 13, e Antônio, 11

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