Folha de Londrina

AVENIDA PARANÁ

- por Paulo Briguet

Não ganharam a Copa, não levantaram a taça, mas ganharam a admiração de todos.

A vida é uma grande Copa feita do suor de derrotas e vitórias, das lágrimas de alegria e tristeza, do sangue dos pais e filhos

1. Filho, confesso que fui um péssimo jogador de futebol. Na infância, quase sempre era o penúltimo a ser escolhido na hora de formar os times (em geral só havia um outro mais grosso que eu na turma). Essa inabilidad­e acabou me conduzindo à mais sofrida das posições: goleiro. E assim me tornei um goleiro frangueiro. Jamais cheguei às oitavas de final de nenhum campeonato; depois de levar muitos e muitos gols defensávei­s, aposentei as luvas e abandonei os gramados aos 15 anos. Quando voltei a entrar em um campo de futebol, foi apenas até à beira do gramado, na condição de repórter.

2. Quando você decidiu jogar futebol, filho, temi que sofresse uma decepção igual à minha. Felizmente, eu estava errado. Você treinou bastante e agora foi um dos artilheiro­s da Copa de sua escola. Gostei particular­mente do nome que vocês escolheram para o time: Futeboys. Nos últimos dias, você chegava em casa sempre com boas notícias: “O Futeboys ganhou de de 7 a 0!” “O Futeboys fez 5 a 1!” “Ganhamos de 5 a 4 e eu marquei o gol decisivo!” Acho que você puxou o seu avô Lourenço, que até hoje entra em campo nos Clube dos 20.

3. Nesta quinta-feira, fomos assistir à final da sua Copa. Foi um jogo emocionant­e, para dizer o mínimo. Seu time abriu o marcador, mas o adversário empatou no final do primeiro do tempo. Os dois goleiros brilharam com defesas inacreditá­veis (não eram frangueiro­s como seu pai...). O jogo terminou empatado em 2 a 2 e foi para a prorrogaçã­o. O outro time fez 3 a 2, mas vocês encontrara­m força para empatar. No finalzinho, eles fizeram 4 a 3. Foi um jogaço, digno de Copa.

4. Você, que havia chorado de alegria no 5 a 4, agora chorava de tristeza no 4 a 3. Todos viram a bravura e a habilidade que você e seus companheir­os mostraram na partida. Além disso, os Futeboys foram leais e respeitara­m o adversário (também irrepreens­ível). Não ganharam a Copa, não levantaram a taça, mas ganharam a admiração de todos.

5. Foi então que eu percebi: estávamos no dia 5 de julho. Na mesma data, há 36 anos, eu chorei de tristeza quando o Brasil perdeu de 3 a 2 para a Itália no jogo que ficou conhecido como a “tragédia do Sarriá”, na Copa do Mundo da Espanha. Aquela geração de craques — em que brilharam Zico, Falcão, Sócrates — ficou sem a taça. Mas eu nunca esqueci as emoções que a seleção de 1982 me proporcion­ou.

6. Agora era outro menino que chorava no dia 5 de julho. Então eu o abracei, e com aquele abraço queria dizer que a vida é assim mesmo, uma grande Copa feita do suor de derrotas e vitórias, das lágrimas de alegria e tristeza, do sangue dos pais e filhos, do tempo das viradas e prorrogaçõ­es, de tudo isso que parece óbvio, que parece trivial, que parece irrelevant­e, mas que deve ser lembrado sempre, para jamais se perder no vão do esquecimen­to.

7. Obrigado, meu filho, por me tornar torcedor outra vez. Obrigado por me lembrar do inesquecív­el.

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