AOS DOMINGOS PELLEGRINI
Tenho saudade dos velhos comunistas, muito diferentes dos posteriores e dos atuais.
O sonho do comunismo virou pesadelo na Europa, passou a ser farsa na China, é tragicomédia na Coreia do Norte ou alegre martírio em Cuba. Marx, pregador do fim da democracia, continua vivo só nos estatutos dos partidos comunistas nas democracias. Esquerda e direita revelaram-se formas semelhantes de visar o poder para instalar nova oligarquia e continuar a explorar a nação. Então dá saudade dos velhos comunistas, muito diferentes de posteriores e atuais comunistas.
O pedreiro Mané Jacinto foi vereador no tempo sem-salário, e o fazendeiro seu adversário Alvaro Godoy dele diria com respeito:
- O Mané foi nosso tesoureiro com tudo escrituradinho a lápis, sem qualquer rasura, centavo por centavo, tão competente quanto honesto.
Na ditadura, Mané era preso mesmo quando não mais militava. Acostumaram me prender, dizia, e andava torto. Perguntado se o corpo foi alquebrado pelas torturas, sorriu. - Mas por dentro não quebra. Doutor Câmara foi outro pé-vermelho comunista notório. As freiras da Santa Casa me lembraram dele assim:
- Dr. Câmara? Se todo comunista fosse como ele, o mundo podia muito bem ser comunista!
O renomado parasitologista Samuel Barnsley Pessoa foi um dos convidados pelo reitor Ascêncio Garcia Lopes para pioneiras aulas na então Faculdade de Medicina. Comunistinha, perguntei a ele e a sua esposa dona Jovina, comunistões, o que achavam dos crimes do comunismo soviético, e não titubearam: - Muita coisa é mentira da imprensa capitalista! - E não é por causa de erros de percurso – ela falou inflamada – que vamos deixar de acreditar num novo mundo!
E o que dizer de um comunistão como Carlos Lira? Fundou a Bossa Nova com o jazzístico samba Influência do Jazz, que pede a volta do velho samba a agonizar por... influência do jazz. Contradição era a essência dos velhos comunistas de classe média, filhos do capitalismo com raiva do pai. Mas equilibrados nesse arame os velhos comunistas nas artes deixaram maravilhoso legado: Jorge Amado, Portinari, Garcia Márquez, Neruda, Saramago, tantos e tanto! Em Londrina, o médico e ótimo pintor Luiz Carlos Jeolás respondia porque aceitara dirigir o Hospital dos Tuberculosos:
- Pobre não consegue custear tratamento de tuberculose.
Os velhos comunistas sentiam pelos pobres o mesmo devoto amor dos religiosos caridosos. Em comício pela Anistia, Jeolás aplaudia vibrando, depois explicou:
- A Anistia não vai ser só para restaurar a democracia, mas para a gente voltar a crer no futuro!
Os velhos comunistas se recusavam a descrer de um destino radiante para a Humanidade, queriam nada menos que o paraíso – como os religiosos, mas um paraíso na Terra. E Oscar Niemeyer é exemplo maior da sua grandeza visionária. Sempre foi comunistão de bater no peito, perfeitamente cegado pela ideologia, mas também foi quem projetou palácios de governo envidraçados, antecipando a transparência hoje exigida pela cidadania. O projeto urbanístico pouco humano de Brasília não é seu, dele é a arquitetura que projeta uma nação a alcançar.
A Catedral como mãos juntas em oração. O Congresso em forma de balança com seus dois pratos, Senado e Câmara mas, também, a simbolizar equilíbrio (inclusive entre direita e esquerda, receita e despesa...). O Palácio do Planalto a transparecer por todos os lados, cercado de elegantes pilares a simbolizar que o Estado deve pesar pouco.
Uni-vos, conclamou Marx, ignorando que a diversidade é própria dos humanos. Mas os velhos comunistas continuam unidos nos exemplos de vida e de valores que estão acima de crenças, pois falam por atitudes.