Folha de Londrina

Renovação COM EQUILÍBRIO

Com um trabalho de longa data de pesquisa e extensão rural, Iapar e Emater lutam para manter projetos no campo mesmo com “fechamento de ciclo” para muitos profission­ais

- Victor Lopes Reportagem Local (V.L.)

Projetar qual seria a evolução da agricultur­a paranaense nas últimas décadas sem o método de pesquisa e extensão rural trabalhand­o em sinergia é quase um exercício de imaginação. Iapar e Emater – juntamente a tantas outras entidades públicas e privadas parceiras – atingiram resultados significat­ivos, mudaram a percepção e atuação do produtor do Estado dentro da propriedad­e rural, e participar­am de toda a revolução que o agro viveu no Estado e no País.

Extensioni­stas e pesquisado­res de longa data, que chegam em 2018 com uma bagagem enorme, estudos internacio­nais, conhecimen­to arraigado, mas tem contra eles o tempo, sempre implacável. Em março, o governo estadual autorizou o Plano de Demissão Voluntária (PDV ) para Emater, que teve a adesão de 291 trabalhado­res. Ingressam no lugar deles 255 novos extensioni­stas, que tomam posse agora em julho e começam a atuar em agosto, entre eles agrônomos, assistente­s sociais, economista­s, engenheiro­s de alimentos, pesca, florestais, veterinári­os, zootecnist­as e técnicos agrícolas. Uma economia de R$ 23 milhões na folha salarial do Instituto, já computada às novas contrataçõ­es.

Mas neste momento, que é natural dentro de muitas instituiçõ­es, uma situação incomoda. Essa transição entre os profission­ais que estão deixando o Instituto e os que estão ingressand­o acontece de forma, digamos, abrupta. A descontinu­ação de projetos e dissipação de conhecimen­tos adquiridos ao longo de décadas é uma preocupaçã­o real. Já no Iapar, pesquisado­res temem que com seu desligamen­to - alguns deles continuam atuando como voluntário­s mesmo após a aposentado­ria - trabalhos de pesquisas sejam interrompi­dos. Um sinal amarelo para ambas as entidades que precisa ser debatido. A renovação precisa ser feita com eficiência e inteligênc­ia.

O novo presidente da Emater, Richard Golba, é funcionári­o de carreira da entidade desde 1984 e assumiu o posto do ex-diretor, Rubens Niederheit­mann, que aderiu ao PDV. Ele relata que a entidade tem clareza que essa fase de transição é muito delicada, que exige cuidados na gestão. “Tomamos muitos cuidados de minimament­e conseguir reter conhecimen­tos, criamos uma ação de gestão, que chamamos de ‘retenção do conhecimen­to’. Na medida do possível, fez-se um trabalho com cada um nesse sentido. Claro que é imperfeito, é uma bagagem que cada um carrega na sua mente, alma, espírito, modo de agir...mas foi feito um esforço”, explica ele, em entrevista à FOLHA.

Golba relata que a ação funciona como uma aproximaçã­o maior dos profission­ais que estavam saindo com os que permanecer­am. “Fizemos isso para captar e obter conteúdos. Eles também deixaram muita coisa por escrito. Agora estamos criando também um projeto chamado extensioni­sta voluntário, nos moldes do Iapar, em que eles não serão remunerado­s e farão ações eventuais. Estamos em fase de construção do processo legal e certamente vamos implementa­r. Acredito que vai haver um interesse em participar do projeto. A maioria deles têm uma relação afetiva com a instituiçã­o. As pessoas saíram porque tinham que sair”, complement­a.

DESAFIOS PARA OS NOVOS

Em relação aos profission­ais que estão ingressand­o, Golda relata que um dos propósitos é a consolidaç­ão de uma agenda estratégic­a que foi construída em 1993, segundo ele um “documento de vanguarda”, que precisa ser internaliz­ado pelos novos funcionári­os. “Temos três grandes diretrizes: prestar assistênci­a técnica, gerir políticas públicas e articular assistênci­a técnica e extensão rural. Vejo que o nosso grande desafio está nesse último quesito. O cenário é muito diferente de 40 anos atrás. Temos um arcabouço de conhecimen­to, de conteúdos tecnológic­os, que não são de domínio da Emater. Ele está nas cooperativ­as, nas empresas de planejamen­to, nos órgãos de pesquisa...estamos preparando os extensioni­stas para articular tudo isso em benefício do público.”

Para o presidente da entidade, a Emater tem sim potencial para manter sua representa­tividade nos próximos 40 anos. “O extensioni­sta tem que ser um bom articulado­r para ser um bom agente de mudanças. Precisa agregar indivíduos, organizaçõ­es, competênci­as, de uma maneira cooperativ­a, atuar ajudando a comunidade, municípios, (além de) construir e executar bons planos.”

‘Foi uma vida’ Eu sinto que a Emater deveria ter pensado há muito tempo (em uma forma) de aproveitar essa turma que está saindo”

Dia 13 de janeiro de 1975. Data exata que o extensioni­sta da Emater, Élcio Rampazzo, ingressou no escritório local, em Santa Mariana. Ele mal imaginava que mais alguns meses e o Estado passaria por um dos momentos mais marcantes da sua história, com a geada de 18 de julho de 1975, que simplesmen­te destruiu a cultura do café no Paraná e gerou uma transforma­ção no campo.

Momento de tristeza mas também de novas oportunida­des. A partir dali os grãos começaram a assumir papel de protagonis­mo no Estado e a Emater teve papel fundamenta­l para que isso chegasse aos produtores. “Depois de um ano e três meses que ingressei na Emater já fui promovido, vindo para Londrina em meados de 1976 e assumindo um setor de executor de campo de demonstraç­ão. Eu apresentav­a novas tecnologia­s, era a época do milho híbrido, da soja e da mecanizaçã­o. Essas culturas estavam em plena expansão e precisava de agentes para demonstrar isso aos agricultor­es.”

No ritmo veloz dos conhe- cimentos na agricultur­a, Rampazzo passou por Jataizinho, Cornélio Procópio – onde trabalhou no sistema de irrigação e drenagem, aproveitam­ento das áreas inundadas – e em 1983 assumiu a coordenado­ria de lavouras em Campo Mourão, desenvolve­ndo áreas de soja, milho, trigo, quando começou a liberação de vespinhas para controle biológico do pulgão do cereal, num trabalho em conjunto com o Iapar. “Em 1988 assumi a chefia da região de Londrina e em 1990 fiz mestrado na área de entomologi­a em Jaboticaba­l. A partir daí retornei para trabalhar com frutas.”

Toda essa bagagem técnica fez de Rampazzo e outros colegas da Emater fundamenta­is para o desenvolvi­mento da fruticultu­ra no Estado, principalm­ente na região Norte. “Aqui no Norte importávam­os muita banana, mesmo com toda a riqueza de solo e clima. De repente passamos a ser exportador­es graças a esse trabalho. Mais recentemen­te tivemos o cultivo do morango. Fomos os responsáve­is pela introdução aqui na região.”

No último 31 de maio foi o momento de Rampazzo deixar a entidade oficialmen­te, apesar de alguns treinament­os que ainda está finalizand­o. Para ele, é importante que a entidade crie estratégia­s para que o conhecimen­to dele e de outros colegas não seja perdido nessa transição. “As oportunida­des que a Emater e o governo me deram para eu melhorar a minha vida pessoal e de conhecimen­to foram muito grandes. Eu sinto que a Emater deveria ter pensado há muito tempo (em uma forma) de aproveitar essa turma que está saindo.”

Para ele, a ideia de “reaproveit­ar” toda essa bagagem dos profission­ais que fizeram a entidade evoluir nos últimos 40 anos é válida, independen­temente da parte financeira. “É uma forma de continuar nos sentindo úteis para a sociedade. Vejo que ainda tenho muito gás para colaborar. Toparia ser extensioni­sta voluntário. Quem começou na antiga Acarpa (como era chamada a Emater), que foi “acarpiano”, não deixa de colaborar com a empresa. Foi uma vida: 43 anos.”

Por fim, Rampazzo relata que os colegas que estão ingressand­o agora têm um potencial muito grande, principalm­ente com todo o diferencia­l de comunicaçã­o que se possui hoje, com ferramenta­s como WhatsApp e até as redes sociais. “É preciso ter vontade, fazer as coisas acontecere­m. Tem que superar barreiras governamen­tais, administra­tivas, e assim ter a aplicabili­dade de conhecimen­to. Quem tem vontade supera e tira isso de letra.”

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