Renovação COM EQUILÍBRIO
Com um trabalho de longa data de pesquisa e extensão rural, Iapar e Emater lutam para manter projetos no campo mesmo com “fechamento de ciclo” para muitos profissionais
Projetar qual seria a evolução da agricultura paranaense nas últimas décadas sem o método de pesquisa e extensão rural trabalhando em sinergia é quase um exercício de imaginação. Iapar e Emater – juntamente a tantas outras entidades públicas e privadas parceiras – atingiram resultados significativos, mudaram a percepção e atuação do produtor do Estado dentro da propriedade rural, e participaram de toda a revolução que o agro viveu no Estado e no País.
Extensionistas e pesquisadores de longa data, que chegam em 2018 com uma bagagem enorme, estudos internacionais, conhecimento arraigado, mas tem contra eles o tempo, sempre implacável. Em março, o governo estadual autorizou o Plano de Demissão Voluntária (PDV ) para Emater, que teve a adesão de 291 trabalhadores. Ingressam no lugar deles 255 novos extensionistas, que tomam posse agora em julho e começam a atuar em agosto, entre eles agrônomos, assistentes sociais, economistas, engenheiros de alimentos, pesca, florestais, veterinários, zootecnistas e técnicos agrícolas. Uma economia de R$ 23 milhões na folha salarial do Instituto, já computada às novas contratações.
Mas neste momento, que é natural dentro de muitas instituições, uma situação incomoda. Essa transição entre os profissionais que estão deixando o Instituto e os que estão ingressando acontece de forma, digamos, abrupta. A descontinuação de projetos e dissipação de conhecimentos adquiridos ao longo de décadas é uma preocupação real. Já no Iapar, pesquisadores temem que com seu desligamento - alguns deles continuam atuando como voluntários mesmo após a aposentadoria - trabalhos de pesquisas sejam interrompidos. Um sinal amarelo para ambas as entidades que precisa ser debatido. A renovação precisa ser feita com eficiência e inteligência.
O novo presidente da Emater, Richard Golba, é funcionário de carreira da entidade desde 1984 e assumiu o posto do ex-diretor, Rubens Niederheitmann, que aderiu ao PDV. Ele relata que a entidade tem clareza que essa fase de transição é muito delicada, que exige cuidados na gestão. “Tomamos muitos cuidados de minimamente conseguir reter conhecimentos, criamos uma ação de gestão, que chamamos de ‘retenção do conhecimento’. Na medida do possível, fez-se um trabalho com cada um nesse sentido. Claro que é imperfeito, é uma bagagem que cada um carrega na sua mente, alma, espírito, modo de agir...mas foi feito um esforço”, explica ele, em entrevista à FOLHA.
Golba relata que a ação funciona como uma aproximação maior dos profissionais que estavam saindo com os que permaneceram. “Fizemos isso para captar e obter conteúdos. Eles também deixaram muita coisa por escrito. Agora estamos criando também um projeto chamado extensionista voluntário, nos moldes do Iapar, em que eles não serão remunerados e farão ações eventuais. Estamos em fase de construção do processo legal e certamente vamos implementar. Acredito que vai haver um interesse em participar do projeto. A maioria deles têm uma relação afetiva com a instituição. As pessoas saíram porque tinham que sair”, complementa.
DESAFIOS PARA OS NOVOS
Em relação aos profissionais que estão ingressando, Golda relata que um dos propósitos é a consolidação de uma agenda estratégica que foi construída em 1993, segundo ele um “documento de vanguarda”, que precisa ser internalizado pelos novos funcionários. “Temos três grandes diretrizes: prestar assistência técnica, gerir políticas públicas e articular assistência técnica e extensão rural. Vejo que o nosso grande desafio está nesse último quesito. O cenário é muito diferente de 40 anos atrás. Temos um arcabouço de conhecimento, de conteúdos tecnológicos, que não são de domínio da Emater. Ele está nas cooperativas, nas empresas de planejamento, nos órgãos de pesquisa...estamos preparando os extensionistas para articular tudo isso em benefício do público.”
Para o presidente da entidade, a Emater tem sim potencial para manter sua representatividade nos próximos 40 anos. “O extensionista tem que ser um bom articulador para ser um bom agente de mudanças. Precisa agregar indivíduos, organizações, competências, de uma maneira cooperativa, atuar ajudando a comunidade, municípios, (além de) construir e executar bons planos.”
‘Foi uma vida’ Eu sinto que a Emater deveria ter pensado há muito tempo (em uma forma) de aproveitar essa turma que está saindo”
Dia 13 de janeiro de 1975. Data exata que o extensionista da Emater, Élcio Rampazzo, ingressou no escritório local, em Santa Mariana. Ele mal imaginava que mais alguns meses e o Estado passaria por um dos momentos mais marcantes da sua história, com a geada de 18 de julho de 1975, que simplesmente destruiu a cultura do café no Paraná e gerou uma transformação no campo.
Momento de tristeza mas também de novas oportunidades. A partir dali os grãos começaram a assumir papel de protagonismo no Estado e a Emater teve papel fundamental para que isso chegasse aos produtores. “Depois de um ano e três meses que ingressei na Emater já fui promovido, vindo para Londrina em meados de 1976 e assumindo um setor de executor de campo de demonstração. Eu apresentava novas tecnologias, era a época do milho híbrido, da soja e da mecanização. Essas culturas estavam em plena expansão e precisava de agentes para demonstrar isso aos agricultores.”
No ritmo veloz dos conhe- cimentos na agricultura, Rampazzo passou por Jataizinho, Cornélio Procópio – onde trabalhou no sistema de irrigação e drenagem, aproveitamento das áreas inundadas – e em 1983 assumiu a coordenadoria de lavouras em Campo Mourão, desenvolvendo áreas de soja, milho, trigo, quando começou a liberação de vespinhas para controle biológico do pulgão do cereal, num trabalho em conjunto com o Iapar. “Em 1988 assumi a chefia da região de Londrina e em 1990 fiz mestrado na área de entomologia em Jaboticabal. A partir daí retornei para trabalhar com frutas.”
Toda essa bagagem técnica fez de Rampazzo e outros colegas da Emater fundamentais para o desenvolvimento da fruticultura no Estado, principalmente na região Norte. “Aqui no Norte importávamos muita banana, mesmo com toda a riqueza de solo e clima. De repente passamos a ser exportadores graças a esse trabalho. Mais recentemente tivemos o cultivo do morango. Fomos os responsáveis pela introdução aqui na região.”
No último 31 de maio foi o momento de Rampazzo deixar a entidade oficialmente, apesar de alguns treinamentos que ainda está finalizando. Para ele, é importante que a entidade crie estratégias para que o conhecimento dele e de outros colegas não seja perdido nessa transição. “As oportunidades que a Emater e o governo me deram para eu melhorar a minha vida pessoal e de conhecimento foram muito grandes. Eu sinto que a Emater deveria ter pensado há muito tempo (em uma forma) de aproveitar essa turma que está saindo.”
Para ele, a ideia de “reaproveitar” toda essa bagagem dos profissionais que fizeram a entidade evoluir nos últimos 40 anos é válida, independentemente da parte financeira. “É uma forma de continuar nos sentindo úteis para a sociedade. Vejo que ainda tenho muito gás para colaborar. Toparia ser extensionista voluntário. Quem começou na antiga Acarpa (como era chamada a Emater), que foi “acarpiano”, não deixa de colaborar com a empresa. Foi uma vida: 43 anos.”
Por fim, Rampazzo relata que os colegas que estão ingressando agora têm um potencial muito grande, principalmente com todo o diferencial de comunicação que se possui hoje, com ferramentas como WhatsApp e até as redes sociais. “É preciso ter vontade, fazer as coisas acontecerem. Tem que superar barreiras governamentais, administrativas, e assim ter a aplicabilidade de conhecimento. Quem tem vontade supera e tira isso de letra.”