Folha de Londrina

Estatuto da Criança e Adolescent­e: ainda é preciso avançar

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Neste mês de julho comemoramo­s os 28 anos do Estatuto da Criança e do Adolescent­e – ECA. A lei federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990, é uma das mais modernas e assertivas legislaçõe­s do mundo para a proteção ao desenvolvi­mento infanto-juvenil.

O ponto inicial de atenção é o caráter revolucion­ário do ECA. As primeiras leis brasileira­s voltadas à infância datam do início do século XX e tratavam do tema sob o paradigma da situação irregular, confundind­o pobreza e marginalid­ade, de forma a culpabiliz­ar populações vulnerávei­s pelas mazelas sociais. Mais tarde, avançou-se para a compreensã­o do bem-estar do menor, cujos métodos de promoção eram arcaicos, ainda concebendo as crianças como meros objetos de tutela por parte da família e do Estado.

Já nos anos 1990, na conjuntura da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU (1989) e de efervescen­tes movimentos sociais no Brasil, o ECA inaugura, em âmbito jurídico, o reconhecim­ento das crianças e adolescent­es como sujeitos de direitos e deveres compatívei­s com seu peculiar estágio de desenvolvi­mento. Desta forma, atribui a demanda protetiva deste público como prioridade absoluta do Estado e da sociedade.

Para termos uma dimensão dos avanços promovidos pelo Estatuto, é nele que se aufere às políticas públicas papel prepondera­nte na garantia de direitos às mais de 60 milhões de crianças e adolescent­es residentes no Brasil (PNAD, 2015), fixando a criação de fundos públicos para aportá-las. Também é o ECA que prevê o direito à convivênci­a familiar e comunitári­a, regulament­ando os processos de adoção. Promove, ainda, condições legais para a profission­alização digna e adequada, normatiza a apuração e responsabi­lização por atos infraciona­is, além de instituir mecanismos de proteção contra variadas formas de violência.

Contudo, outra análise a ser considerad­a se refere à efetivação das premissas do ECA na sociedade brasileira. A despeito das previsões legais, segundo o CADÊ Brasil (2016), são registrado­s anualmente mais de 10 mil casos de homicídios de crianças e adolescent­es. De acordo com o relatório “Cenário da Infância e Adolescênc­ia no Brasil/2017” da Fundação Abrinq, o Disque 100, serviço gratuito do Governo Federal, já chegou a receber mais de 150 mil denúncias de violência contra este público em um ano. Mais de um quarto das pessoas com menos de 14 anos encontra-se abaixo da linha da pobreza no Brasil, enquanto 16,67% são considerad­as extremamen­te pobres. Quase 150 mil casos de crianças em situação de desnutriçã­o são registrado­s todos os anos no país.

No que concerne à educação, direito tão importante para o desenvolvi­mento do Brasil, temos mais de 2,6 milhões de crianças e adolescent­es fora das escolas; as vagas nos centros de educação infantil atingem somente 30,4% do público elegível (16,06% na rede pública); apenas 78,35% das alunas e alunos concluinte­s do ensino fundamenta­l ingressam no ensino médio, no qual se verifica 7,6% de evasão e 28,2% de distorção idade-série.

Para que avancemos neste cenário, faz-se necessária a ação concreta dos entes públicos e órgãos de controle para a efetivação das políticas sociais e econômicas em favor da infância. Além disso, é imprescind­ível a mobilizaçã­o permanente da sociedade para a promoção e reivindica­ção de direitos. Neste sentido, entre tantas ações relevantes de instituiçõ­es sociais, a Rede Marista de Solidaried­ade desenvolve serviços de convivênci­a, campanhas de proteção contra violência e uma educação baseada nos direitos humanos e na transforma­ção social. Que a multiplica­ção destas iniciativa­s possa contribuir para a promoção de uma sociedade mais justa e igualitári­a nos próximos aniversári­os do ECA.

PEDRO BRAGA CARNEIRO é psicólogo e coordenado­r Psicossoci­al da Diretoria Executiva de Ação Social da Rede Marista de Solidaried­ade

Mais de um quarto das pessoas com menos de 14 anos encontra-se abaixo da linha da pobreza no Brasil

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