Folha de Londrina

Vida e obra de um grande autor

Autobiogra­fia de John Le Carré traz relatos de encontros notáveis e episódios curiosos

- Folhapress

Alguns escritores, até mesmo os geniais, podem acabar presos a uma determinad­a obra, saudada como seu grande momento criativo.

O britânico John le Carré, 86, um dos maiores nomes dos romances de espionagem, deve estar cansado de ser tratado como o autor de “O Espião que Saiu do Frio”.

A excelência narrativa desse livro de 1963, sobre um agente britânico enviado para a Alemanha Oriental como falso desertor, acabou se tornando uma comparação cruel e persistent­e na carreira de Le Carré. Embora tenha escrito romances incríveis ao longo de quase seis décadas, sua obraprima permanece imbatível.

Em seu novo livro, “O Túnel de Pombos: Histórias da Minha Vida”, o escritor pode finalmente deixar de se preocupar com essa sombra nas análises da crítica.

Pela primeira vez, Le Carré se afasta da ficção e se debruça em fragmentos de memórias, em capítulos curtos que contam casos divertidos.

O volume não é nada didático. Quem espera por um painel completo e cronológic­o da vida do escritor ficará decepciona­do. O que as páginas oferecem são pequenos relatos de encontros notáveis e episódios curiosos, o que não falta na trajetória de Le Carré. Tudo no texto elegante, fluido e sagaz que o consagrou.

Sua carreira foi impulsiona­da pelo conhecimen­to real do mundo da espionagem. Seu primeiro romance, “O Morto ao Telefone”, foi lançado em 1961, quando ele ainda trabalhava no MI6, o serviço de inteligênc­ia britânico.

Embora tenha iniciado suas publicaçõe­s na mesma época em que James Bond ganhava as plateias dos cinemas, sua prosa sempre foi encaminhad­a para outro lado do cotidiano dos agentes secretos. A vida dos espiões não foi sempre o universo de glamour das aventuras de 007, e Le Carré tratou de deixar isso bem claro.

Seus personagen­s podem ser covardes com breves momentos de coragem, profission­ais atrapalhad­os ajudados pela sorte ou pessoas de caráter questionáv­el. Esses retratos despertara­m a ira de muitos de seus colegas espiões, prontos a criticá-lo e, em situações extremas, a dar um murro na cara do escritor.

Essa reação raivosa dá origem a muitos trechos de “O Túnel de Pombos”, entre festas em embaixadas e cerimônias do governo em que Le Carré é obrigado a praticar esgrima verbal com convidados ressentido­s. São exemplos bem-acabados da celebrada ironia dos ingleses.

Há outros momentos curiosos. O leitor ficará sabendo, por exemplo, como o venerado ator inglês Alec Guinness (1914-2000) foi influência fundamenta­l para a criação de George Smiley, personagem mais famoso de Le Carré.

As observaçõe­s sarcástica­s do escritor não se restringem a ex-colegas. Sobram farpas para a impren-

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