Folha de Londrina

Assaltaram o Seu Lourival

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Dentre as caracterís­ticas que diferencia­m os homens dos outros seres vivos — além da possibilid­ade de contemplar o horizonte, do hábito de comer com talheres, da vontade de tomar remédios, do costume de perguntar “É débito ou crédito?”, da oração angélica, das crônicas de Dino Buzzati, dos poemas de Antonio Machado, dos contos de Tolstoi e das sinfonias de Beethoven —, destaca-se o sorriso. E, dentre os sorrisos, destaca-se o sorriso do Seu Lourival.

Para quem não conhece, eis aqui uma sucinta descrição do personagem: Seu Lourival é o vendedor de bijus que trabalha no semáforo das avenidas Higienópol­is e Adhemar de Barros, a alguns passos do Lago Igapó. Até hoje, nunca se teve notícia de um dia, de uma hora, de um minuto em que Seu Lourival estivesse de mau humor ou negasse um sorriso a um passante.

Costumo ver Seu Lourival quando saio de manhã para passear com o Cisco. Cedinho, faça frio ou calor, ele está lá, invariavel­mente sorridente, passeando com seus bijus entre os carros. Há um ano, eu o mencionei aqui na Avenida Paraná. Na época, alguém disse:

—Tá famoso, hein, Seu Lourival?

A resposta veio rimada:

— A gente não merece, mas agradece.

O que Seu Lourival não merecia era ser assaltado; mas, infelizmen­te, aconteceu. Ele próprio deu a notícia a um amigo que passava.

— Tudo bem, Seu Lourival?

— Tudo bem. Uns ladrões entraram lá em casa, mas tudo bem.

— Nossa! Levaram muita coisa?

— Não tinha muita coisa pra levar. Mesmo assim, tive que gastar 800 reais pra colocar uma cerca elétrica. Fazer o quê, né, amigo? Trabalhar...

O mais impression­ante, diz meu amigo, é que o vendedor de bijus contou essa história sorrindo, sem nenhum traço de amargura ou ressentime­nto no rosto.

Segundo o promotor Marcelo Rocha Monteiro, estima-se que haja 1,75 milhão de roubos por ano no Brasil — só nas capitais. Imagine esse número levando-se em conta as cidades do interior. Tecnicamen­te, o que Seu Lourival sofreu não foi um assalto, mas um furto, crime ainda mais corriqueir­o. E as vítimas são, na maioria absoluta dos casos, trabalhado­res como o nosso vendedor de bijus.

Hoje, às sete da manhã, eu passei pela esquina do Seu Lourival, na hora do meu passeio com o Cisco. O vendedor de bijus estava lá, sob o friozinho da manhã londrinens­e, oferecendo seu doce produto para os motoristas, tratando a todos eles como velhos amigos. Contemplei a cena por alguns momentos e já voltava a subir a Higienópol­is, quando ouvi alguma coisa que me comoveu. Era um assobio: Seu Lourival assobiava uma canção na manhã da cidade.

Sabe o que mais me comove nessa história? Os ladrões entraram na casa do Seu Lourival, obrigaram-no a gastar 800 reais para se proteger, mas não conseguira­m levar aquilo que ele tem mais valioso.

A alegria.

Ladrões invadem a casa do famoso vendedor de bijus, mas não conseguem levar o seu produto mais valioso

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Paulo Briguet

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