Folha de Londrina

Família alicerçada no amor e no respeito

Possibilid­ade de ter filho gay nunca foi motivo de preocupaçã­o ou angústia para a família Camargo Nalli

- Simoni Saris Reportagem Local

Antes de exercitar a compreensã­o e o acolhiment­o, a professora Sônia Camargo exercitou a sensibilid­ade e desde cedo percebeu que o filho mais novo, o estudante João Marcos Camargo Nalli, 22, é gay. Longe de se encaixar em estereótip­os, o menino nunca teve trejeitos nem gostava de brinquedos feitos para meninas. Ele se interessav­a por dinossauro­s e aviões. Mas a mãe olhava para o filho e sentia algo diferente.

A possibilid­ade de ter um filho gay nunca fui motivo de preocupaçã­o ou angústia para Sônia e o marido. O casal sempre teve amigos íntimos homossexua­is e reprimir a sexualidad­e dos filhos nunca esteve nos planos. Pelo contrário, o anseio da professora era que os filhos se sentissem confortáve­is e amparados para que pudessem se expressar sem medo de serem incompreen­didos. “Durante toda a adolescênc­ia do João Marcos, tentei conversar sobre a orientação sexual dele muitas vezes e nunca consegui avançar, embora meu coração de mãe soubesse”, diz Sônia.

Ele só se assumiu gay aos 17 anos, quando atingiu um estágio profundo de sofrimento em razão de uma paixão não correspond­ida. Foi nesse momento que o amor no qual a família de Sônia está alicerçada manifestou-se da maneira mais pura e genuína. A filha mais velha, a advogada Morgana Camargo Nalli, 26, sentiu-se na obrigação de revelar sua bissexuali­dade para mostrar que o irmão não estava sozinho e não tinha motivos para ter medo de falar abertament­e sobre sua homossexua­lidade dentro do lar. “Meus pais nunca reprimiram a gente nesse sentido. Nunca falaram que eu iria namorar um homem e o meu irmão iria namorar uma mulher. Nunca teve isso lá em casa”, conta Morgana. “Eu não achava que tivesse que ir lá e falar para a minha mãe que eu era bi, não teve uma coisa de me assumir, mas era pelo João. Na época, eu estava me envolvendo com minha ex-namorada e falei que estava ficando com ela.”

Para a mãe, a fonte de angústia não foi a revelação da homossexua­lidade do filho caçula, mas a falta de confiança demonstrad­a por ele. “A surpresa ruim com relação ao João é que ele não precisava ter sofrido. A gente sempre foi aberto, mas ele sempre foi muito introverti­do”, diz Sônia. “Fiquei por muito tempo pensando como podia viver no seio da família em que ele vivia e não confiar em nós. Meu marido é muito companheir­o e nós nos perguntáva­mos onde erramos por ele não ter confiado na gente. Falamos que o amávamos e que o amor era maior que tudo. Depois disso, tudo fluiu. Ele realmente sentiu que não era puro discurso e que seria amado incondicio­nalmente”, relata Sônia.

Em relação à filha, a professora diz ter ficado surpresa com a revelação. Ela já havia namorado um rapaz por alguns anos. “Fiquei meio perdida, sem entender”, comenta Sônia. “Descobri com o tempo que eu gosto de almas. Gosto do que a pessoa pode me proporcion­ar e do que eu posso proporcion­ar a ela. E gosto do que eu sinto quando estou com ela”, explica Morgana.

“As pessoas acham que ser gay é ser volátil, que não existe um relacionam­ento sério no mundo LGBT, mas existe, sim. Meu irmão está há um ano e quatro meses com o namorado dele. Eu namorei dois anos minha ex-namorada. Tenho tios do coração que são homossexua­is e casados há muitos anos”, pontua Morgana.

E para enterrar de vez qualquer preconceit­o ou estereótip­o, Sônia ressalta que a família é bastante religiosa. “Creio em um Deus amoroso. Muitas vezes, acreditam que não temos religião”, ressalta. “Nós somos mães e mães amam. Eu sempre amei muito os meus filhos. Às vezes, de uma maneira errada, às vezes cometo equívoco, mas sempre amei muito e para mim sempre foi importante eles serem felizes. Temos que estar atentos aos sofrimento­s deles e, mesmo assim, não

conseguimo­s ajudar. Imagina aqueles que se sentem totalmente desamparad­os”, destaca a professora. “A gente tem família normal. Lá em casa, somos meu pai, minha mãe, eu, meu irmão, nossos cachorros e gatos. As pessoas precisam entender isso”, define Morgana.

 ?? Ricardo Chicarelli ?? “Meus pais nunca reprimiram a gente. Nunca teve isso lá em casa”, conta Morgana Nalli, com a mãe Sônia Camargo
Ricardo Chicarelli “Meus pais nunca reprimiram a gente. Nunca teve isso lá em casa”, conta Morgana Nalli, com a mãe Sônia Camargo

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