A questão dos refugiados
Quando não temos uma visão correta da história, achamos puerilmente, que o hoje é sempre inédito. E isso se aplica de modo especial ao tema dos refugiados. Ou desconhecemos, ou negamos a história. Emigrações, em geral forçadas por motivos vários, sempre existiram na saga da humanidade. E talvez o que muitos ignoram: sempre foram trampolim para o desenvolvimento. Países como EUA ou Brasil são, em sua essência, constituídos por hordas de emigrantes pobres, que ao longo dos últimos séculos chegaram com vontade de vencer e formar o país que adotaram como seu.
O caso mais paradigmático que beira certa ironia, se deu com os árabes que no século 8 chegaram à Europa. Embora tenham chegado com intenções proselitistas e expansionistas, rapidamente se integraram aos habitantes da Península Ibérica contribuindo espetacularmente com o desenvolvimento da agricultura, do intercâmbio cultural (trazendo novas invenções do Oriente) e até com os posteriores descobrimentos marítimos de Portugal e Espanha. Os mouros islâmicos foram tremendamente enriquecedores naquele momento da Alta Idade Média. Quem vai hoje a Granada e outras cidades do sul da Espanha, fica impressionado com a beleza dessa presença muçulmana.
O caldo cultural de Nova Iorque, Paris ou Bruxelas não seria o mesmo sem os refugiados ou emigrantes. Vários prefeitos franceses já são descendentes de oriundos das ex-colônias africanas e o mesmo se diz dos jogadores de futebol de países europeus, que nesta Copa arrancaram gritos estridentes nas arquibancadas.
Um dos maiores erros históricos do momento é a xenofobia, o preconceito ou os muros contra refugiados. É na verdade, uma injustiça com a própria história!
O Papa Francisco tem sido o mais claro possível. Acolher, proteger, promover e integrar! São os verbos que ele tem usado quando aborda o tema. Refugiados geram civilizações novas, diz o papa. Os pactos globais sobre esta questão devem ser inspirados pela compaixão, coragem e clarividência.
A Europa de modo singular precisa deles. O governo português reconheceu, no mês passado, que necessita de 70 mil estrangeiros por ano, para continuar com seu patamar atual populacional. A Itália e a Espanha, se tivessem essa coragem, diriam o mesmo! Angela Merkel tem sido uma das mais coerentes líderes, ao não só deixar escapar os seus sentimentos luteranos, mas principalmente sendo uma visionária do futuro da Alemanha, que passa pela integração de muitos estrangeiros.
O Brasil de hoje tem honrado o de ontem. Apesar dos problemas sociais internos que revelam números altíssimos de desemprego, temos acolhido irmãos que fogem da tragédia em que se converteu a Venezuela, ou da catástrofe da Síria. O País será enriquecido a médio e longo prazo, apesar do desconforto inicial sempre gerado pelos que chegam.
Precisamos ficar atentos para que não proliferem focos xenofóbicos que deporiam contra nós.
O refugiado não é somente o que chega precisando de tudo. Ele é especialmente o que chega, trazendo muita coisa. Gente que traz no coração uma vontade enorme de viver. Isso não é pouco. São sobreviventes e, como tal, irão contagiar os autóctones, com a obrigação existencial de olhar o futuro com mais otimismo e esperança. E para países mergulhados em crises de sentido e identidade, nada melhor do que esse sangue novo, gerador de vida. Meus pais foram emigrantes, como os avós de um grande número de leitores da FOLHA. Sabemos do que estamos falando e seriamos tremendamente ingratos com o passado se esquecêssemos essa realidade.
Um dos maiores erros históricos do momento é a xenofobia ou os muros contra refugiados