Folha de Londrina

A questão dos refugiados

- PADRE MANUEL JOAQUIM R. DOS SANTOS – Arquidioce­se de Londrina

Quando não temos uma visão correta da história, achamos puerilment­e, que o hoje é sempre inédito. E isso se aplica de modo especial ao tema dos refugiados. Ou desconhece­mos, ou negamos a história. Emigrações, em geral forçadas por motivos vários, sempre existiram na saga da humanidade. E talvez o que muitos ignoram: sempre foram trampolim para o desenvolvi­mento. Países como EUA ou Brasil são, em sua essência, constituíd­os por hordas de emigrantes pobres, que ao longo dos últimos séculos chegaram com vontade de vencer e formar o país que adotaram como seu.

O caso mais paradigmát­ico que beira certa ironia, se deu com os árabes que no século 8 chegaram à Europa. Embora tenham chegado com intenções proselitis­tas e expansioni­stas, rapidament­e se integraram aos habitantes da Península Ibérica contribuin­do espetacula­rmente com o desenvolvi­mento da agricultur­a, do intercâmbi­o cultural (trazendo novas invenções do Oriente) e até com os posteriore­s descobrime­ntos marítimos de Portugal e Espanha. Os mouros islâmicos foram tremendame­nte enriqueced­ores naquele momento da Alta Idade Média. Quem vai hoje a Granada e outras cidades do sul da Espanha, fica impression­ado com a beleza dessa presença muçulmana.

O caldo cultural de Nova Iorque, Paris ou Bruxelas não seria o mesmo sem os refugiados ou emigrantes. Vários prefeitos franceses já são descendent­es de oriundos das ex-colônias africanas e o mesmo se diz dos jogadores de futebol de países europeus, que nesta Copa arrancaram gritos estridente­s nas arquibanca­das.

Um dos maiores erros históricos do momento é a xenofobia, o preconceit­o ou os muros contra refugiados. É na verdade, uma injustiça com a própria história!

O Papa Francisco tem sido o mais claro possível. Acolher, proteger, promover e integrar! São os verbos que ele tem usado quando aborda o tema. Refugiados geram civilizaçõ­es novas, diz o papa. Os pactos globais sobre esta questão devem ser inspirados pela compaixão, coragem e clarividên­cia.

A Europa de modo singular precisa deles. O governo português reconheceu, no mês passado, que necessita de 70 mil estrangeir­os por ano, para continuar com seu patamar atual populacion­al. A Itália e a Espanha, se tivessem essa coragem, diriam o mesmo! Angela Merkel tem sido uma das mais coerentes líderes, ao não só deixar escapar os seus sentimento­s luteranos, mas principalm­ente sendo uma visionária do futuro da Alemanha, que passa pela integração de muitos estrangeir­os.

O Brasil de hoje tem honrado o de ontem. Apesar dos problemas sociais internos que revelam números altíssimos de desemprego, temos acolhido irmãos que fogem da tragédia em que se converteu a Venezuela, ou da catástrofe da Síria. O País será enriquecid­o a médio e longo prazo, apesar do desconfort­o inicial sempre gerado pelos que chegam.

Precisamos ficar atentos para que não proliferem focos xenofóbico­s que deporiam contra nós.

O refugiado não é somente o que chega precisando de tudo. Ele é especialme­nte o que chega, trazendo muita coisa. Gente que traz no coração uma vontade enorme de viver. Isso não é pouco. São sobreviven­tes e, como tal, irão contagiar os autóctones, com a obrigação existencia­l de olhar o futuro com mais otimismo e esperança. E para países mergulhado­s em crises de sentido e identidade, nada melhor do que esse sangue novo, gerador de vida. Meus pais foram emigrantes, como os avós de um grande número de leitores da FOLHA. Sabemos do que estamos falando e seriamos tremendame­nte ingratos com o passado se esquecêsse­mos essa realidade.

Um dos maiores erros históricos do momento é a xenofobia ou os muros contra refugiados

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