Folha de Londrina

Ode à segunda-feira

- Fale com o colunista: avenidapar­ana@folhadelon­drina.com.br

1. O tempo nasceu antes — mas o cotidiano nasceu numa segunda-feira. Pobre segunda. A você, nunca fizeram homenagens. De que praga foi vítima, para que tantos a odeiem assim, até mesmo personagen­s de histórias em quadrinhos? Por que a fama de ser o mais antipático dos dias? Só mesmo a crônica, filha estranha do jornalismo, para pensar em você. Enquanto os bons repórteres correm atrás das grandes notícias, o inexplicáv­el cronista de sete leitores persegue os fatos miúdos. E como você é o dia mundial da rotina, o dia internacio­nal das coisas menores, o dia universal do amanhã-é-outro-dia, a crônica será sua irmã no exílio do tempo.

2. Segunda-feira é preto na folhinha. Há algum tempo, nem os jornais eram vendidos quando ela entrava em cena. Hoje em dia, é diferente. Os jornais de segunda-feira estão nas bancas e na internet. Notícias frescas — às vezes melancólic­as — indicam o eterno retorno da semana útil. Você é dura, difícil, implacável. Ah, segunda sem consolo.

3. De que matéria vivem as segundasfe­iras de Londrina? Talvez eu precise perguntar ao velho andarilho que numa remota segunda-feira, há muitos anos, encontrei na rua e insistiu em me presentear com sete laranjas. Nunca soube onde morava o velho, mas sei onde você mora, andante segunda-feira: em vários endereços conhecidos como ali na esquina, lá em casa, na firma, na vila, no bar, no apartament­o ao lado, no ponto de ônibus, na calçada, debaixo da ponte, à beira do lago, a dois passos. Você não tem CEP, segunda-feira. Seu número é só o calendário.

4. Devo admitir, prezada segundafei­ra, que há em você uma angústia e uma obstinação de mulher difícil. Você nos dá a certeza de que o mundo está aí para ser enfrentado. Dentro do seu abraço maldoso, há todas as chances de viver e de morrer.

5. Os boletos, a pagar. A camisa, puída. O Zé, de ressaca. O despertado­r, estridente. Assombraçõ­es insistem em espiar pela janela — na verdade, são apenas moscas. O operário passa pelo relógio-ponto chateado com a derrota do time do bairro. O escrivão pega o chefe de mau humor. O pó de café acaba. A repórter fecha os olhos antes de entrar ao vivo no telejornal da manhã. Na cabeça da avó, repercutem as risadas do Sílvio Santos da noite anterior. A macarronad­a que sobrou do almoço de domingo vigia solitária na geladeira. As crianças acordam pedindo leite.

A serra elétrica da construção começa a gritar e cuspir madeira. Um telefonema é dado por engano às 6h50. Um sonho bom é esquecido.

6. Na corda-bamba de suas horas compridas, rainha segunda-feira, alguém vai nascer, alguém vai morrer, a maioria vai apenas sobreviver.

7. Ainda não reencontre­i o velho que me deu sete laranjas. Estará vivo? Mas, ao descascar esta última fruta, ao escrever este último parágrafo, faço apenas uma viagem ao país mais próximo: o cotidiano. O mundo às vezes é pequeno como uma laranja. O jeito é encarar toda segunda como se fosse a primeira.

Uma pequena homenagem ao dia mundial da rotina, das coisas menores, da crônica

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