AVENIDA PARANÁ
Ao derramar álcool sobre o lenço para aliviar a dor de garganta, lembro-me de minha mãe.
Acordo no meio da noite com dor de garganta. Levanto-me silenciosamente para não acordar o Pedro nem a Rosângela. No escuro, abro a gaveta do armário e consigo achar um lenço. Caminhando como um fantasma pela casa, rumo à cozinha, vejo as luzes silenciosas de Londrina pelo vitrô da sala. Coloco um pouco de água para esquentar; enquanto a água esquenta, vou até a área de serviço para pegar o frasco de álcool. Ao derramar um pouco de álcool sobre o lenço, lembro-me imediatamente de minha mãe.
Durante a infância, tive muitas dores de garganta. A primeira coisa que Aracy fazia quando eu me queixava era embeber um lenço em álcool e amarrá-lo em meu pescoço. Por si só, aquela sensação gelada fazia a dor retroceder. Então minha mãe ia até o fogão, colocava um pouco de água para esquentar e preparava chá.
Morávamos no pequeno apartamento da Alameda Barão de Limeira, em São Paulo. Tão pequeno que eu dormia em um sofá na sala. Na verdade, não era um sofá, era um “bicama”, um sofá que se transformava em leito. Esse bicama tinha cores que jamais me sairão da memória: listras alaranjadas, pretas, brancas, marrons e amarelas. Eu seria capaz de localizar esse padrão de cores — bem típicas dos anos 70 — entre milhares de outras.
Certa vez, quando a água esquentava no fogão, eu perguntei:
— Mãe, por que precisa matar o leão para fazer o chá? É que eu me impressionara com a marca do chá — MATE LEÃO. Achei que era alguma referência a perigosas caçadas, como as que eu via na televisão ou nas histórias de Pedrinho no Sítio do Picapau Amarelo.
Contendo o riso, Aracy então me explicou que não era necessário matar o leão para fazer o chá; que mate não era um verbo, mas o nome de uma planta; e que até os leões e os caçadores de leões de vez em quando sentiam dor de garganta.
Depois, ela me contou a história de São Brás, um homem que viveu há muitos e muitos anos na região da Capadócia, hoje Turquia. Por acreditar em Jesus Cristo, ele foi perseguido pelos poderosos da época, sendo obrigado a se refugiar numa caverna, onde as feras não o atacavam e os pássaros levavam-lhe alimento.
Mas os soldados do rei encontraram Brás na caverna e o levaram preso. No caminho, eles encontraram uma mãe desesperada cujo filho estava morrendo engasgado com uma espinha de peixe. Brás pediu aos soldados que o deixassem ver a criança. Ele pôs a mão sobre a garganta do menino e o salvou.
— É por isso — explicava Aracy — que São Brás é o padroeiro de todos aqueles que têm dor de garganta.
Tomei o chá, contemplei o sono do Pedro e da Rosângela, voltei para a cama com o lenço enrolado no pescoço. Quando coloquei a cabeça no travesseiro, percebi que esse lenço é como se fosse um prolongamento da mão de minha mãe, acariciando-me além das fronteiras do tempo.
Então, dormi e sonhei.