Folha de Londrina

Brasileiro­s pagam R$ 475 bilhões em juros em 2017

Estudo aponta que brasileiro­s pagaram R$ 475,6 bilhões em juros em 2017 e que valor aumentou 11,8% em um ano mesmo com cenário de recessão econômica

- Fábio Galiotto

As famílias e o empresaria­do pagaram R$ 475,6 bilhões em juros no ano passado, o que correspond­e a 7,3% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional daquele ano, segundo estudo da Fecomercio-SP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo). O valor representa uma alta atualizada pela inflação de 11,8% sobre o pago em 2016, apesar das reduções na taxa básica de juros do Banco Central, a Selic, e da redução na oferta de crédito pelos bancos privados e públicos.

Ao mesmo tempo, a inadimplên­cia caiu 11,3% entre 2016 e 2017. O valor dos financiame­ntos atrasados por mais de 90 dias ficou em R$ 44,7 bilhões. Uma conta difícil de explicar, mas que é composta pelo alto endividame­nto do Estado que gera desconfian­ça em agentes de mercado, além da baixa concorrênc­ia entre bancos privados no País. Os dois fatores combinados, de acordo com economista­s ouvidos pela FOLHA, contribuír­am para a oferta de crédito aquém da demanda, o que torna a taxa de juros mais alta e o investimen­to especulati­vo mais rentável do que no setor produtivo, elevando também os lucros das financeira­s.

O maior aumento no comparativ­o entre os dois anos foi no montante gasto pelas famílias, de 17,9%, com um total de R$ 354,8 bilhões em juros. Com esse dinheiro, era possível contratar todos os 23 jogadores que disputaram a Copa do Mundo de 2018 pelo Brasil (R$ 4,3 bilhões) por 82 vezes, ou custear o equiva- lente a 8,6 edições da Olimpíada do Rio (R$ 41 bilhões), conforme a entidade.

Assessor econômico da Fecomercio-SP, Altamiro Carvalho afirma que os juros pagos em 2017 foram por empréstimo­s contraídos nos anos de crise pesada, como 2015 e 2016, o que explica o alto valor efetivo. Porém, lembra que não há paralelo no mundo de diferença tão alta entre a taxa paga pelo banco para conseguir o dinheiro e recebida para consumidor­es e empresas. “Uma pesquisa de 2016 aponta que o spread no Brasil era de 37,4%, somente maior do que a pequena economia de Madagascar. A média mundial era de 5% e esse cenário não mudou muito”, diz.

Carvalho afirma que isso ocorre, principalm­ente, porque a oferta de crédito ao setor privado é de apenas 25% do PIB nacional, enquanto na maior parte dos países emergentes ou desenvolvi­dos passa de 100%. “O crédito se torna caro como qualquer mercadoria em que há demanda maior do que a oferta e, no Brasil, é limitado porque o Estado drena recursos que iriam para o mercado em títulos para pagar dívidas”, diz.

Essa tomada de crédito pelo governo se dá também com prazos de pagamento curtos, diz o economista da Fecomercio-SP. “O perfil das dívidas de países industrial­i- zados é de longo prazo, com vencimento acima de cinco anos, enquanto aqui é de seis meses porque não há poupança interna que garanta pagamento”, cita. Ele explica que o investidor somente aceitaria alongar esse prazo diante de maior certeza de pagamento, o que não ocorre quando o deficit nas contas públicas aumenta, como tem ocorrido no Brasil.

DAS FAMÍLIAS AOS RENTISTAS

O assessor econômico da Acil (Associação Comercial e Industrial de Londrina), Marcos Rambalducc­i, afirma que esse resultado indica transferên­cia de renda das famílias para o setor financeiro. “Se os juros se elevam, mais pobres ficam as famílias, menor é o consumo e o investimen­to das empresas em máquinas e equipament­os cai pela perspectiv­a de vender menos.”

Rambalducc­i também cita como principal motivo as expectativ­as futuras do mercado em relação ao endividame­nto do governo, mas vê como injustific­ável que as financeira­s possam cobrar mais de 300% de juros ao ano em modalidade­s como cartão de crédito ou cheque especial. “A inadimplên­cia é usada como justificat­iva para os juros altos, mas os números mostram que houve queda na inadimplên­cia que não foi acompanhad­a pelas taxas.”

Economista do Dieese (Departamen­to Intersindi­cal de Estatístic­a e Estudos Socioeconô­micos) no Paraná, Fabiano Camargo da Silva lembra que a crise dura mais de dois anos e meio e o lucro dos bancos só aumentou no período, ainda que o restante do País conviva com maior desemprego e baixo consumo. “Isso ocorre pela concentraç­ão em poucos agentes privados, que cobram os juros mais altos do mundo e, quando é preciso financiar o investimen­to de empresas, não cumprem a função de dar acesso ao crédito, que são subsidiado­s por bancos públicos e pelo BNDES.”

Para Silva, há pressão no País do setor rentista para a manutenção dos juros em patamares mais altos, com a justificat­iva de que a dívida pública está descontrol­ada. “Irlanda, Portugal e Espanha são países em que a relação da dívida com o PIB ultrapassa­va os 100%, eram considerad­os quebrados, mas não têm juros nesse nível”, diz.

O economista da Acil sugere mais políticas governamen­tais para limitar esse spread, como as regras adotadas que restringem o endividame­nto por cartão de crédito ou cheque especial por longo prazo. Ainda, sugere a adoção de medidas como o cadastro positivo, para beneficiar bons pagadores.

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