Folha de Londrina

Escola sem partido ou escola de partido único?

- GILBERTO ALVAREZ GIUSEPONE JR é diretor do Cursinho da Poli e presidente da Fundação PoliSaber

Nem bem terminávam­os de compartilh­ar comentário­s aliviados, uma vez que chegava ao STF o pedido de declaração de inconstitu­cionalidad­e na tramitação dos projetos estaduais e municipais de implementa­ção do projeto “Escola sem partido”, e a Câmara dos Deputados fez avançar sua peça “própria” de obscuranti­smo.

Mesmo na iminência de declaração de inconstitu­cionalidad­e teve início a tramitação que visa aprovar uma cartilha que estabelece os “deveres do professor” e que tem seu foco na chamada “inibição de doutriname­nto político”.

O texto proíbe o uso da palavra “gênero” e observaçõe­s relacionad­as ao tema “orientação sexual”.

Seria o caso de se perguntar: após a aprovação do documento, no Brasil, os adjetivos deixarão de concordar com os substantiv­os em gênero, número e grau?

A insistênci­a no tema, assumida com fervor pela “bancada BBB” (boi, bala, bíblia) se obstina em fazer dos componente­s homofóbico­s e misóginos os pontos de referência de uma atuação parlamenta­r que concentra tudo o que o País tem de mais preconceit­uoso.

Seus articulado­res chegam ao cúmulo de argumentar que estão se pronuncian­do “em defesa da preservaçã­o da espécie”!

O fato é que a proposta vai ao plano minucioso dos detalhes e chega a indicar os parâmetros para que as escolas afixem cartazes expondo as “obrigações dos professore­s”.

Nesse aspecto, na indicação dos procedimen­tos “adequados” para denunciar o “professor doutrinado­r” desponta a “meta” de construir uma educação “neutra”, “subordinad­a à educação moral dos pais”, declarada no documento como “precedente, prioritári­a e insubstitu­ível”.

Ironicamen­te, essa nova tramitação ganhou notoriedad­e no mesmo dia em que foi divulgada a cumplicida­de dos presidente­s da ditadura militar com o assassinat­o de oposicioni­stas. Quanto a falta de conhecimen­to histórico colaborou para que nossa população oferecesse, como ofereceu, respaldo às ações mais abominávei­s do Estado, em nome dos bons costumes?

Em sentido inverso: quanto o conhecimen­to histórico colaborou para que esses horrores fossem desvelados e, assim, se produzisse o digno sentido de “tortura nunca mais”?

O século 20 mostrou, com muitos exemplos, monstruoso­s exemplos, que as ações mais devastador­as contra a liberdade, contra a dignidade humana e até contra a própria vida de muitos, sempre, lamentavel­mente contou com respaldo ou com a omissão de parte da sociedade.

O projeto “Escola sem partido” é, na verdade um projeto de escola de partido único. Por isso mesmo demonstra porque, em termos educaciona­is, é crucial lutar pela liberdade de opinião e pelas questões de gênero.

A misoginia não foi um componente essencial no golpe parlamenta­r vivido em 2016?

A gargalhada afrontosa, de homens e mulheres na abertura da Copa do Mundo, que se deliciavam com o espetáculo de um estádio de futebol insultando uma presidenta, avó, mãe, mulher, não é exemplo suficiente para que saiamos em defesa não do direito, mas da obrigação de discutir assimetria­s de gênero?

É impression­ante que em tão pouco tempo tantos retrocesso­s estejam na ordem do dia.

Só não é impression­ante que esses retrocesso­s sejam propostos em nome da moral e dos bons costumes. Sempre foi assim.

Em termos educaciona­is, é crucial lutar pela liberdade de opinião e pelas questões de gênero

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