Folha de Londrina

Em busca da produtivid­ade brasileira

Mudanças no posicionam­ento de mercado e a sistematiz­ação das informaçõe­s e processos são pontos-chave para o Brasil avançar em inovação na saúde, segundo Rodrigo Silvestre, diretor industrial do Tecpar

- Micaela Orikasa

Os últimos dez anos são emblemátic­os para a área de inovação no Brasil. Foi a partir da Lei da Inovação, decretos e marcos regulatóri­os, que se permitiu a criação de um ambiente inovador no País. O próximo passo agora, é focar nos resultados a partir de questionam­entos objetivos e sistematiz­ados.

Foi essa análise que Rodrigo Silvestre, diretor industrial do Tecpar (Instituto de Tecnologia do Paraná), levou ao palco do EncontrosF­OLHA, no dia 27 de julho. O projeto que é realizado há quatro anos pela FOLHA, e nesta 12ª edição debateu o “Mercado da Saúde em Londrina - Tecnologia e Inovação para serviços e produtos”.

Com amplo conhecimen­to em desenvolvi­mento econômico e inovação, associado à experiênci­a na formulação de projetos da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégic­os do Ministério da Saúde, o palestrant­e discutiu pontos-chave no campo da inovação em saúde no País.

Em curto prazo, Silvestre defende a criação de um diálogo entre governo, empresas e academia. Em médio prazo, melhorias nos projetos em desenvolvi­mento e em um período mais estendido, a mudança do modelo mental entre todos os envolvidos.

“A inovação só pode ser avaliada depois de ter resultado em melhoria no posicionam­ento de mercado e acesso da população às oportunida­des. Os trabalhos das universida­des são elementos fundamenta­is, mas não únicos. Precisamos fazer isso de forma sistemátic­a”, reflete.

Mas para buscar soluções é preciso identifica­r as vulnerabil­idades e nesse ponto, ele foi bem detalhista e apontou como principais obstáculos, a ausência de política industrial e de foco para o País se posicionar no setor; a falta de diálogo entre os interessad­os; a indisponib­ilidade tanto do governo quanto de empresário­s brasileiro­s para assumir riscos e as limitações na esfera regulatóri­a. Tudo isso, torna o Brasil muito dependente de tecnologia­s e conhecimen­to externos.

“Toda inovação tecnológic­a pressupõe risco e o risco é diretament­e proporcion­al ao resultado. Quando o cenário está ruim, o empresaria­do adota uma política de baixo risco, enquanto que em outros mercados isso não existe. Essa caracterís­tica brasileira é difícil de mudar e é um empecilho para conseguir inovar”, reforça.

Segundo Silvestre, essa postura decorre do fato do Brasil ter um mercado financeiro muito forte que eleva as taxas de juros. “E isso é de fato, um comparador muito ruim para as empresas assumirem riscos”, reconhece.

Nesse contexto, a noção de Estado empreended­or se torna fundamenta­l, no entendimen­to do especialis­ta. “O Estado precisa ser regulador em algumas atuações e em outras, protagonis­ta. Existe uma fase onde o risco tecnológic­o e empresaria­l é intranspon­ível. Ele precisa ser feito pelo Estado, que tem o papel também de manter universida­des e pesquisas”, aponta.

ÉTICA E LEGISLAÇÃO

Silvestre lembra que quanto mais disruptiva é a inovação em saúde, mais ela se aproxima de questões antiéticas. “Porque eu preciso testar um produto, por exemplo, sem criar a expectativ­a de gerar uma cura aonde eu não vou conseguir”, afirma.

Para ele, a saída é uma maior prevalênci­a de estudos clínicos no Brasil, o que aliás, tem sido um dos maiores empenhos do Tecpar. “Temos empresário­s inovadores, tentando fazer produtos novos, mas criamos uma legislação que é extremamen­te austera em termos de proteção às pessoas. E isso é fantástico, porém, há detalhes que geram uma demora no tempo de resposta de aprovação de um projeto e dificultam os estudos clínicos na fase I”, elenca.

Para fins comparativ­os, a duração dos processos de autorizaçã­o e condução dos protocolos de pesquisas no Brasil tem um prazo entre 10 e 15 meses de espera, enquanto que no restante do mundo, varia de três a no máximo seis meses.

Em 2015, o plenário do Senado aprovou o PL (Projeto de Lei) 200, que acelera a liberação de pesquisas clínicas no Brasil, por meio da criação de um marco regulatóri­o para análise e registro de novos medicament­os no tratamento de câncer, Alzheimer, diabetes e outras doenças, além de fixar regras a serem cumpridas nos estudos em seres humanos.

Enquanto a proposta segue para análise da Câmara dos Deputados, o Brasil segue dependendo muito de tecnologia externa. Por exemplo, na produção de remédios convencion­ais, cerca de 80% dos genéricos e sintéticos são produzidos por empresas nacionais, mas os insumos farmacêuti­cos, não.

Na visão do palestrant­e, outra questão é que com as limitações na legislação, empresário­s e pesquisado­res são desmotivad­os a fazer estudos clínicos no Brasil. “Então, ele faz fora do País e nossa legislação aceita que um produto registrado no FDA ou no EMA seja rapidament­e registrado aqui. Ou seja, como que a legislação não permite que eu teste o produto nas caracterís­ticas da população brasileira, mas permite que depois o utilizemos amplamente no mercado? Isso é um contrassen­so”, comenta.

Silvestre ainda ressalta que os recursos para Ciência, Tecnologia e Inovação sempre são cortados em um cenário problemáti­co. “Porque os efeitos imediatos são zero. Estamos discutindo aqui, coisas para 30, 50 anos. Para se ter uma ideia, um projeto rápido em saúde leva cerca de 15 anos para acontecer. Sou extremamen­te pessimista no curto prazo e extremamen­te otimista no longo prazo”, sustenta.

E o futuro, como ele mesmo citou, depende de uma mudança na mentalidad­e de todos os setores envolvidos. “A inovação não morre na área de engenharia, mas na administra­tiva, jurídica. Precisamos superar esses pontos. O que a gente espera é que muita informação e mudanças de processos sejam tratados antes, para que possamos entregar para cada paciente aquilo que ele realmente precisa”, finaliza.

Quando o cenário está ruim, o empresaria­do adota uma política de baixo risco (...). Essa caracterís­tica brasileira é difícil demudareéu­m empecilho para conseguir inovar”

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Gustavo Carneiro Rodrigo Silvestre, palestrant­e do EncontrosF­olha: “A inovação só pode ser avaliada depois de ter resultado em melhoria no posicionam­ento de mercado e acesso da população às oportunida­des”

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