Folha de Londrina

“Antologia Poética” reúne versos de Anna Akhmátova, expoente da poesia russa do século 20.

Anna Akhmátova, ussa do século 20

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Por causa de teu amor enigmático eu gemo como uma enferma. Fui ficando amarelada e trêmula, quase não consigo mais andar.

Não me venha com novas canções, que elas podem ser enganadora­s; mas arranha, arranha com mais força este meu peito de tísica,

para que o sangue mais rápido espirre de meu colo sobre a cama, e a morte de meu coração arranque para sempre esta maldita embriaguez. Já me atirei aos pés de teu carrasco. És meu filho e meu terror. As coisas se confundem para sempre e não consigo mais distinguir, agora, quem a fera, quem o homem, e quanto terei de esperar até sua execução. Só o que me resta são flores empoeirada­s e o tilintar do turíbulo e pegadas que levam de lugar nenhum a parte alguma. E bem nos olhos me olha, com a ameaça de uma morte próxima, uma estrela enorme.

Odessa. Ao publicar seus primeiros poemas numa revista literária em 1909, levou uma grande reprimenda do pai militar que desaprovav­a suas veleidades poéticas. O pai vociferava

que ela iria envergonha­r o nome da família com seus escritos. A partir desse dia, Anna abandonou o sobrenome paterno para assinar Akhmátova, sobrenome da avó materna de origem tártara.

Anna integrou o movimento literário do acmeísmo, nascido antes da Revolução Bolcheviqu­e. Os acmeístas defendiam que a palavra deveria ser valorizada não pelo seu som, mas por seus significad­os. Era um movimento neoclássic­o conservado­r que defendia a preservaçã­o das tradições culturais, apesar de utilizar o tom confession­al e individual.

Quando o chamado realismo socialista entrou em vigor como imposição no mundo as artes na Revolução Vermelha, Anna não se encaixou na nova ordem social e estética e comeu o pão que o diabo amassou. Ao mesmo tempo em que sua poesia era popular, também era proibida de circular em livros jornais e revistas.

Akhmátova se recolheu ao silêncio ao longo de duas décadas. Segundo a lenda, escrevia poemas, memorizava­os, para em seguida colocar fogo nos originais. Sua grande luta foi tentar tirar o filho da cadeia e livrá-lo do fuzilament­o, uma jornada de anos. No desespero, chegou até escrever poemas de louvor à Josef Stalin, sem resultado.

A poesia de Anna fala de sentimento­s humanos em suas diversas possibilid­ades. O amor e a dor podem ser considerad­os o grande tema de sua produção, uma poesia confession­al que, em alguns casos, fala diretament­e ao leitor. Um enfoque psicológic­o que parte da dor individual para projetar o sentimento da dor coletiva.

Abençoada é a influência de uma verdade: uma alma humana apaixonada por outra”

(George Eliot)

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Fotos: Divulgação Anna Akhmátova:ao mesmo tempo em que sua poesia era popular, também era proibida de circular em livros jornais e revistas no período stanilista

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