Folha de Londrina

AVENIDA PARANÁ

Uma cidade inteira se comoveu quando você foi encontrada em um banheiro do terminal urbano

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Menina,

Um dia talvez você leia estas palavras; então saberá que uma cidade inteira se comoveu quando você foi encontrada, logo depois de nascer, em um banheiro do terminal urbano de Londrina. Não sei o seu nome, não sei se vou conhecê-la um dia, mas espero que você guarde no coração uma centelha do amor e da compaixão daqueles que a acolheram depois de um nascimento tão dramático.

Saiba que você não foi o único bebê abandonado à própria sorte e salvo pela bondade dos próximos. As Escrituras e os clássicos têm muitas histórias de bebês que sobreviver­am, apesar de abandonado­s, e se tornaram grandes pessoas. Tenho esperança de que você entre para a galeria desses heróis. Tenho esperança de que você venha a ter um lar, uma família, um trabalho. Tenho a esperança de que você cresça em um país decente. Tenho a esperança de que você se torne mãe, e não abandone a sua criança.

Quando vi você nos braços dos atendentes do Siate, percebi que havia ali um claro sinal de Deus: aqueles que diariament­e enfrentam a morte traziam agora a vida.

E você respirou, você se mexeu, você emitiu um som que não era palavra, mas também não era simplesmen­te um choro, era algo que pairava entre o verbo e a realidade, assim como as nossas vidas pairam entre o Céu e a Terra.

Você nasceu em 3 de agosto, Dia de Santa Lídia. A tradição conta que Lídia era uma rica comerciant­e de púrpura em Filipos, na Macedônia. Tinha caracterís­ticas pouco comuns para entre as mulheres de sua época: era empresária, dona do próprio negócio e chefe de família. Foi convertida durante a visita de São Paulo e São Lucas a Filipos. Dessa maneira, a casa de Lídia tornou-se a primeira igreja cristã da Europa.

Você nasceu poucos dias antes da festa de São Maximilian­o Kolbe, o santo prisioneir­o de Auschwitz, que se ofereceu para morrer no lugar de um pai de família, em agosto de 1941.

Você nasceu um dia antes da festa de São João Maria

Um dia talvez você leia estas palavras; então saberá que uma cidade inteira se comoveu quando a encontrara­m

Vianney, o padroeiro dos padres, um dos santos mais queridos de nosso tempo, que converteu multidões a partir de um confession­ário na aldeia de Ars.

Você nasceu numa sexta-feira em que autoridade­s do nosso país discutem a liberação do aborto — o que para você seria uma pena de morte.

Você nasceu na sexta-feira; na missa de domingo, ouvimos uma belíssima passagem do Evangelho de São João, em que Jesus diz: “Eu sou o pão da vida: quem vem a Mim nunca mais terá fome, quem acredita em Mim nunca mais terá sede”.

A expressão “pão da vida” me faz pensar em outro sobreviven­te de Auschwitz, o grande médico e escritor Viktor Frankl. Ele descobriu que sobrevivem às grandes dores — o campo de concentraç­ão, o abandono, a solidão, a miséria — aqueles que buscam o sentido da vida.

Bem-vinda à vida, menina. Bem-vinda à busca do sentido.

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