Lei anticorrupção traz mudanças no mundo corporativo
Especialistas fazem avaliação positiva da lei, apesar de somente seis Estados e o DF terem instaurado processos com base nela
Sancionada há cinco anos, a lei 12.846/2013 interfere de forma positiva no comportamento de algumas empresas, que melhoraram suas práticas de gestão, passando a adotar, por exemplo, programas de integridade e setores de compliance. Apesar dos avanços, apenas seis Estados (Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo) e o Distrito Federal instauraram processos administrativos para apurar possíveis irregularidades, com base na legislação
- Passados cinco anos da promulgação da Lei Anticorrupção(12.846/2013), especialistas ouvidos pela FOLHA destacam que algumas mudanças de comportamento no mundo corporativo já são perceptíveis. Companhias tradicionais, como a Odebrecht, um dos alvos da Operação Lava Jato, foram forçadas a investir em governança e melhorar suas práticas de gestão.
“Várias empresas que ainda não tinham programas de integridade e setores de compliance passaram a adotar”, destacou o presidente da Comissão de Gestão Pública e Controle da Administração da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no Paraná, Luciano Reis.
Mas será que as normas levaram os corruptores, além dos corruptos, a mudar efetivamente de comportamento? Segundo Reis, é muito cedo para fazer um balanço e uma análise detalhados. “Ainda não existem milhares de processos com base na referida lei, até porque vários entes não a regulamentaram e muitos sequer sabem que poderão instruir processos de responsabilização na sua esfera, como é o caso dos municípios”, pontuou.
A legislação foi sancionada em agosto de 2013 pela expresidente Dilma Rousseff (PT) e regulamentada em janeiro do ano seguinte. Entre as punições previstas estão multa administrativa de até 20% do faturamento bruto e o instrumento do acordo de leniência, por meio do qual os envolvidos em ilegalidades podem reparar o dano financeiro e se comprometer a implementar mecanismos internos de integridade.
Até hoje, porém, apenas seis Estados (Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo) e o Distrito Federal instauraram processos administrativos para apurar possíveis irregularidades. No total, são 87 procedimentos, envolvendo 177 companhias, a maior parte delas (34,47%) do setor de construção e engenharia. Em pelo menos dois casos, as empresas obtiveram liminares na Justiça para suspender as punições. Os dados são parte de um levantamento do escritório Tauil & Chequer e foram publicados pelo jornal Valor Econômico.
Na avaliação do consultor e sócio da Compliance Total, Wagner Giovanini, o Brasil se encontra num processo de transição. “Quem poderia, há cinco anos, imaginar o cenário atual, com operações policiais, prisões, cobertura incessante da mídia e o crescente interesse popular em relação à ética? É claro que as pessoas de bem, os indignados com as notícias atuais e os que desejam um Brasil mais justo queríamos muito mais e muito mais rápido. Mas, precisamos comemorar o progresso conquistado. Aliás, é um avanço sem possibilidade de retrocesso”.
Para Giovanini, a existência da lei, por si só, promoveu um movimento importante. “Vale citar dois componentes, que se complementam: de um lado, as empresas, preocupadas com o elevado risco, passaram a investir nos mecanismos de integridade, como uma forma de prevenir irregularidades, evitar multas e proteger seus executivos. De outro, profissionais disseminam o conhecimento no mercado, sejam os escritórios de advocacia e consultorias ou a mídia e instituições de ensino, reforçando a necessidade de atenção por parte das organizações”.
Entretanto, ele disse considerar “acanhada” a forma de agir das grandes empresas. “Tanto pela responsabilização objetiva como pelo bom senso, que impõe a uma empresa íntegra só se relacionar com empesas íntegras, as organizações têm a missão de conduzirem seus fornecedores para o caminho da ética e integridade. Não basta enviar código de conduta ou um questionário para se sentir cumpridor do seu dever. É necessário demandar o pleno atendimento dos requisitos da lei e a implementação de mecanismos de integridade efetivos”, pontuou.
COMPLIANCE
“Especialistas afirmam que o Brasil perde cerca de R$ 200 bilhões por ano por causa da corrupção. Isso é praticamente a soma do investimento do País em saúde, educação e segurança. Portanto, se as organizações se engajarem, de verdade, em implementarem mecanismos de integridade, já teremos uma redução nesse patamar, que pode ser imediatamente revertido para a sociedade”, completou o sócio da Compliance Total.
A chamada “Lei da Empresa Limpa” passou a vigorar em meio ao crescimento de denúncias contra grandes empreiteiras. Coincidência ou não, Giovanini avalia que esses eventos simultâneos contribuíram para aumentar sua repercussão e, consequentemente, seu efeito educador para a sociedade. “Se de um lado há um efeito devastador para funcionários e mercado, por outro, esperase um aprendizado mais rápido por parte de outras empresas. Agora, vemos as organizações virando a página, fazendo a limpeza necessária e criando mecanismos para evitar a repetição de fatos do passado. Portanto, o saldo é bem positivo”.
Precisamos comemorar o progresso conquistado. Aliás, é um avanço sem possibilidade de retrocesso”