Folha de Londrina

AVENIDA PARANÁ

- Fale com o colunista: avenidapar­ana@folhadelon­drina.com.br por Paulo Briguet

Meu avô nasceu junto com o seu time do coração e morreu no Natal para viver nos sonhos

Francisco Oreste Briguet nasceu há exatos 108 anos, em 13 de agosto de 1910, na cidade de São Paulo. Pelo que sei, sua família morava no bairro do Bom Retiro, onde 17 dias depois um grupo de operários fundou o Sport Club Corinthian­s Paulista. Durante toda a vida, meu avô foi um apaixonado corintiano; era como se ele torcesse para um irmão.

Na véspera do seu aniversári­o de vida, resolvi abrir o baú do Seu Briguet. No verso da tampa do baú, há uma data escrita com pincel, 21-9-1940, ao lado das iniciais de meu avô. Na certa foi ele mesmo quem há 78 anos escreveu aqueles números e letras, pois sua profissão era pintor. De automóvel, mas pintor; para mim, o Matisse das latarias.

No baú do meu avô estão suas ferramenta­s: um pincel, um martelo, um alicate, duas chaves de fenda, uma trena metálica. Em alguns objetos há respingos de tinta.

Mas eis que agora, como que por encanto, vou descobrind­o novas velhas coisas no baú de meu avô.

Recortes de jornal, com notícias sobre vitórias do Corinthian­s, também sobre o longo jejum de vitórias do time paulistano entre 1954 e 1977.

Um canivete que Seu Briguet usava para descascar e fatiar as mangas que colhia em seu quintal da Rua Castro Alves, número 15.

Uma medalha de veterano soldado da Revolução Constituci­onalista de 1932, na qual ele lutou voluntaria­mente.

Um apito e um carteirinh­a da Federação Paulista de Futebol, que indicam o seu outro ofício: juiz de futebol. Sei que minha bisavó foi muitas vezes xingada, como é destino de todas as mães de árbitros; mas sei também que eram xingamento­s injustos, pois meu avô sempre foi uma pessoa rigorosame­nte honesta, além de conhecer, de cor, todas as regras do “violento esporte bretão”.

Um bilhete da loteria esportiva, em que ele apostava todas as semanas. Aos domingos, eu quase sempre estava ao seu lado quando a zebrinha do Fantástico anunciava os resultados dos 13 jogos da loteca: “Coluna 1...” “Coluna 2...” “Coluna do meio...” “Coluna 2... Olha aí, deu eu!” E depois o Léo Batista anunciava o número de acertadore­s, calculado pelo matemático Oswald de Souza. Meu avô, infelizmen­te, nunca esteve entre eles.

Dizem que herdei algumas caracterís­ticas de meu avô, como o gosto pelas piadas e trocadilho­s. Em festas e reuniões familiares, ele era o contador oficial de anedotas. Somos muito parecidos fisicament­e, e em nosso amor pela família. Nossa principal diferença era futebolíst­ica: sou palmeirens­e desde criança.

Meu avô morreu no dia 25 de dezembro de 1984. Eu tinha 14 anos, e aquela foi a minha primeira experiênci­a com a morte de uma pessoa amada. Foi embora, mas não se esqueceu de dar um sorriso antes de partir. Sonho sempre com ele: não diz nada, apenas sorri.

Na foto do dia do meu batismo, eu estou chorando e ele está olhando para mim, preocupado. Talvez tenha sido ele a descobrir a causa do meu choro: os sapatos brancos apertados. Obrigado, Seu Briguet. Você é o meu Briguet - aquele que morreu no Natal para viver sempre.

Seu Briguet nasceu junto com o seu time do coração e morreu no Natal para viver nos sonhos

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Acervo familiar

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