Folha de Londrina

Aproximaçõ­es democrátic­as ou miséria da democracia

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Um momento oportuno para pensarmos em alternativ­as de poder com uma democracia de alto teor e não simplesmen­te numa alternânci­a de poder, para manter as coisas do jeito que estão. Não vamos aguardar o melhor momento, pois ele é construído hoje, no exercício do cotidiano, configuran­do-se em cenários que se moldam para revelações de possibilid­ades futuras.

Para tanto, o pensar crítico é oportuno, com profundida­de, observação e liberdade criativa. Sem isso, o pensar permanece preso, retido a concepções pura e simplesmen­te ideológica­s. Como construçõe­s de um saber esquizofrê­nico, marcado pelos pecados originais de cada traçado ideológico vivido. O pensamento crítico e as utopias residem nas margens desse pensar, navegam pelo aparenteme­nte inconcebív­el campo das possibilid­ades que estão nos dizeres e não dizeres, nos experiment­os e nas tentativas dos povos ignorados pelo pensamento e modo de produzir e viver hegemônico.

Assim as construçõe­s sociais embrionári­as caminham, pela beirada da “realidade”, e funcionam como algo contra-hegemônico de princípios, valores, ideias e formas invisíveis, porém factíveis, no campo das alternativ­as da invenção democrátic­a do cotidiano que não cessa.

E nesse quadro, alguns desafios se apresentam: 1) vencer a barreira de uma comunicaçã­o torpe. Não basta combater as fake news, é necessário combater a carga ideológica, manipulado­ra e desconstru­tiva das falas dominantes da grande imprensa; 2) estar sempre ao lado da dignidade humana ética, solidária, respeitosa e cuidadosa de todos os seres vivos, inclusive humanos, sem margens de distorção marcada por passados equivocado­s das “esquerdas” e das “direitas”; 3) ir contra as afrontas científica­s e tecnológic­as que marcam a ciência moderna de um mundo que separa e não integra, que consome e não repara, de um mundo que impacta e não preserva; 4) posicionar-se contra os pré-conceitos que dificultam as transforma­ções, os diálogos e as aproximaçõ­es, essenciais para a formação de novas sociabilid­ades infra e super estruturai­s. Rompendo estigmas sexuais, de gênero, étnicos e religiosos; 5) entender que o estágio atual democrátic­o é parte de um longo construto, muito distante de ser alcançado, compreende­ndo e instrument­alizando o longo caminho a percorrer para atingir o teor e intensidad­e democrátic­a que possibilit­em a revelação de nossa condição humana em plenitude; 6) ser eleitor não garante a cidadania. Hoje, eleitor é um “escolhedor”, normalment­e alienado. Cidadania é, sobretudo conscienti­zação e participaç­ão efetiva que também resulta numa composição representa­tiva. Sem essa condição, a cidadania não se revela.

E por fim, acreditar e vivenciar processos participat­ivos que elevem os compromiss­os e responsabi­lidades, éticas, sociais, políticas e culturais, de ser e estar num tempo marcado por mudanças que, se comparadas às anteriores, apresentam-se redesenhad­as por sujeitos e processos que são marcas inexequíve­is de um experiment­o social necessário para o salto qualitativ­o que começa hoje e continua no amanhã, como força desconheci­da que nos empodera e nos liberta.

Os desafios estão postos! Não devemos temer o novo alternativ­o e necessário. Devemos empaticame­nte participar desta alteridade reveladora que se manifesta numa composição cultural de cidadãos e sujeitos preparados, responsáve­is pela edificação de um ciclo histórico com outro rumo. A qual designarem­os como uma nova civilizaçã­o que oportuniza­rá um prolongame­nto da vida planetária com qualidade e superação de determinaç­ões impostas pela civilizaçã­o anterior.

PAULO BASSANI é sociólogo e professor da UEL (Universida­de Estadual de Londrina)

Ser eleitor não garante a cidadania. Hoje, eleitor é um “escolhedor”, normalment­e alienado

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