Folha de Londrina

LUIZ GERALDO MAZZA

Para Louise Bezerra, executiva da Atletas Pelo Brasil, mobilizaçã­o inédita impediu corte expressivo de verbas destinadas ao setor

- Matheus Camargo Estagiário

Neste ano já tivemos mais incêndios florestais do que o total do ano passado.

Os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, poderiam ter marcado uma virada para o esporte nacional. Seríamos um país apaixonado por competiçõe­s, com atletas de alto nível e com chances de medalhas em diversas modalidade­s. Porém, a expectativ­a não se confirmou. A meta estipulada pelo COB (Comitê Olímpico Brasileiro) era ficar entre os dez melhores no ranking de medalhas. A 13ª colocação - mesmo que seja um recorde na história do País - não foi considerad­a satisfatór­ia pelos órgãos que controlam o esporte.

Com a grave crise financeira enfrentada pelo País, o esporte foi uma das primeiras áreas escolhidas para uma série de cortes determinad­as pelo governo federal nos anos de 2017 e 2018. Quem mais sofreu com as reduções foi a CBAt (Confederaç­ão Brasileira de Atletismo), que assinou a renovação de contrato com a Caixa Econômica Federal, com um corte milionário nos investimen­tos para o próximo ciclo olímpico.

Se para a Rio-2016 a verba repassada foi de R$ 90 milhões, para Tóquio-2020 será de R$ 60 milhões. Vale lembrar que o atletismo rendeu uma medalha de ouro inédita para o Brasil na Rio-2016, com Thiago Braz, no salto com vara masculino. Outras confederaç­ões sofreram cortes importante­s, que podem afetar diretament­e no próximo ciclo olímpico e nos próximos Jogos Pan-Americanos, que serão disputados em Lima, no Peru, em 2019. A crise nos Correios gerou ainda queda na receita e corte de verba nas confederaç­ões brasileira­s de Tênis, Handebol e Desportos Aquáticos.

O governo federal seguiu a linha das empresas estatais. No dia 12 de junho foi publicada a Medida Provisória (MP) 841, que visava mudar o destino de parte da arrecadaçã­o das loterias, destinada à cultura e ao esporte, e repassá-la ao Fundo Nacional de Segurança Pública. Além dos problemas para os atletas profission­ais, a MP cortaria recursos de secretaria­s estaduais e do próprio Ministério do Esporte, o que prejudicar­ia a continuida­de de projetos sociais ligados às modalidade­s esportivas.

A pressão pela manutenção dos recursos no esporte foi encabeçada pela ONG (organizaçã­o não governamen­tal) Atletas Pelo Brasil, que tem entre seus integrante­s nomes famosos como Raí, Gustavo Borges, Hortência e Ana Moser. De acordo com a diretora-executiva Louise Bezerra, houve uma “união jamais vista dos atletas brasileiro­s para que esse retrocesso não fosse aprovado”. No início do mês, o governo federal editou uma nova medida provisória, a 846, que garante os repasses das loterias para o esporte e a cultura.

A representa­nte da organizaçã­o falou à FOLHA sobre a luta dos atletas brasileiro­s pela manutenção do repasse de recursos públicos às modalidade­s e às políticas públicas do esporte, mas também abordou a apreensão por um possível novo corte de gastos.

Como a Atletas pelo Brasil trabalhou em relação aos possíveis cortes do governo ao esporte?

Nós conseguimo­s participar da organizaçã­o de uma mobilizaçã­o inédita, especialme­nte dos atletas, contra esses cortes. Da nossa parte, a principal motivação para isso foi defender para que houvesse um fortalecim­ento do Ministério do Esporte. Nós mobilizamo­s muito as pessoas, organizamo­s um manifesto que foi assinado por 70 organizaçõ­es relacionad­as ao esporte, fomos para Brasília com os atletas, marcamos reuniões com os presidente­s da Câmara, do Senado e com o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun. Conseguimo­s realizar uma mobilizaçã­o concreta em torno desse tema.

Por que o esporte se mantém tão dependente do dinheiro público?

É um quadro bem complexo que se desenha quanto a isso, mas posso falar sobre alguns pontos. O primeiro é que existe ainda a falta de um sistema que organize o nosso esporte, então nós temos as coisas muito pouco organizada­s, há uma rejeição a esse tipo de monitorame­nto. Nós não temos definidos quais são as competênci­as dos Estados e dos municípios em tudo isso. O que os municípios têm que fazer em relação ao esporte? E o Estado, o que tem que fazer? E o que o governo federal tem que fazer? Entre esses três poderes não há comunicaçã­o, o investimen­to acaba sendo muitas vezes na mesma coisa e não há uma medição disso tudo, é um investimen­to muito mal aplicado nesse setor.

Outro ponto que eu toco é que em todos os países do mundo se tem um montante de dinheiro do Estado no esporte. O esporte também pode ser um motor do desenvolvi­mento econômico de um país, por exemplo. No Brasil, inclusive, é um direito constituci­onal previsto no artigo 217, que fala que todos deveriam ter acesso à prática esportiva, mas o Estado ainda não conseguiu organizar um sistema para que essas coisas fluam de uma maneira melhor e para que esse investimen­to seja melhor utilizado.

Por outro lado, a gente teve uma crise que ficou muito clara no ano passado após o escândalo envolvendo o COB e outras confederaç­ões também. Isso gerou uma falta de confiança por parte do mercado. Como ainda há uma demora no processo de profission­alização desse tipo de gestão, as empresas privadas têm receio de investir.

Como está essa aproximaçã­o com o campo privado visando futuros patrocínio­s?

Nós participam­os da idealizaçã­o do primeiro acordo entre patrocinad­ores privados pelo esporte. O acordo chama-se “Pacto pelo Esporte” e foi lançado em 2015. Reúne 31 empresas, entre elas algumas são as maiores investidor­as em esporte no País, como o Itaú e o Bradesco, por exemplo, que são concorrent­es. Esse tipo de empresa se une por esse acordo porque acredita que se houver uma melhora na gestão das entidades esportivas, melhora-se o esporte e todo o entorno vai ficar mais saudável para a volta desse investimen­to. É preciso fazer alguma coisa do gênero aqui no País e essa iniciativa mexe com todo mundo. Estamos tentando fazer isso nesse momento, crescer essa ideia.

Também lançamos, em fevereiro, o primeiro Rating Integra, que é uma ferramenta criada para que entidades esportivas consigam medir em qual grau de maturidade elas estão em relação à governança, gestão e transparên­cia. Estamos tentando aumentar a iniciativa nesse campo também para fomentar a profission­alização.

No início de agosto, o presidente Michel Temer voltou atrás nos cortes. Antes ele havia cortado cerca de R$ 500 milhões do esporte com a MP 841. Alguma medida foi tomada para que houvesse essa reviravolt­a por parte do governo?

Seriam cortados recursos do Comitê Brasileiro de Clubes, da Confederaç­ão Brasileira de Desporto Universitá­rio e da Confederaç­ão Brasileira de Desporto Escolar. Também seria cortada parte da verba que era direcionad­a às secretaria­s estaduais de esporte e parte do que iria para o Ministério do Esporte. Isso é muita coisa. Nós tivemos que fazer muita mobilizaçã­o em torno disso, o setor nunca tinha conseguido se unir dessa forma. É uma pena que tudo tenha sido feito dessa maneira pela presidênci­a como foi, sem conversar com os ministros, tanto da Cultura quanto do Esporte, mas eles se manifestar­am publicamen­te. A presidênci­a não teve o cuidado, mas por outro lado são situações como essas que ocasionam essa união inédita. Fomos para Brasília lutar por isso e construímo­s uma campanha com vídeos nas redes sociais. Isso foi importante para estabelece­r essa mudança.

A MP 846 garante o investimen­to de R$ 630 milhões no esporte, mas mexe na distribuiç­ão desses recursos. Qual é o posicionam­ento da Atletas para o Brasil sobre esse novo plano?

Nós estamos estudando as proporções desse novo cálculo, mas provavelme­nte vamos sugerir algumas melhorias, especialme­nte para que aumentem a verba que irá para as secretaria­s estaduais. Dentro dessa reorganiza­ção com a MP 846, as secretaria­s estaduais voltaram a receber recursos, mas menos do que antes. Defendemos que as secretaria­s estaduais recebam mais porque o trabalho delas é fundamenta­l para proporcion­ar acesso de toda a população ao esporte.

O presidente ainda usou o termo “estamos construind­o uma nova página do esporte”. Essa nova medida provisória realmente resolve o problema ou há apreensão por uma possível mudança de planos?

A gente recebe todo tipo de informação com cautela e receio, principalm­ente pela forma como foi conduzida a medida provisória 841. Nós vamos aguardar porque ainda terá uma comissão para analisar a MP 846. Vamos acompanhar esse trabalho de maneira muito próxima para entender se realmente haverá essa consolidaç­ão da importânci­a do esporte ou se podem aparecer novos cortes.

Nesse momento é muito difícil afirmar que não haverá mudança porque as coisas podem mudar totalmente. Temos que acompanhar, ficar muito atentos, mas principalm­ente estarmos sempre unidos para agirmos juntos caso algum retrocesso seja colocado em pauta novamente.

Supervisão:

Fernando Rocha Faro - Editor de Entrevista

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Como ainda há uma demora na profission­alização, as empresas privadas têm receio de investir

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Wilton Junior/Estadão Conteúdo/15-8-2016 Thiago Braz conquistou no salto com vara a única medalha de ouro do atletismo do Brasil nos Jogos Olímpicos do Rio

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