Folha de Londrina

Novo teste da democracia

- DANIEL MEDEIROS é professor de história do Brasil e apoiador do Instituto Aurora

Mais uma vez a nossa jovem democracia vai ser testada. Será a oitava eleição direta desde que o ciclo autoritári­o saiu de cena, deixando para trás um cenário de terra arrasada, tanto econômica quanto socialment­e. No início dos anos 1980, quando pudemos reparar sem filtros o que havíamos recuperado, o que vimos foi um país ainda para ser feito. E não sabíamos por onde começar. Por isso, o caminho foi tortuoso.

Com a imprensa livre e a internet, as falcatruas políticas - tão enraizadas nas práticas de poder do País desde sempre - vieram à tona e então passamos a viver de escândalo em escândalo: os desvios de Collor, as privatizaç­ões de FHC, o Mensalão de Lula, o Petrolão de Dilma, a septicemia no governo Temer. Hoje só se fala nisso e muitos apostam que só com um governo autoritári­o as coisas entrariam nos eixos. Ou seja, muitos querem que o futuro seja voltarmos ao ponto de partida, dando um looping diretament­e para aterrissar no regime militar.

Para muitos outros, a saída é aprofundar a democracia, buscando não perder o que se realizou nesses 30 anos: a política macroeconô­mica que garantiu estabilida­de monetária; os superavits primários, que criaram reservas cambiais importante­s; o aumento do salário mínimo, que ampliou o mercado consumidor interno; as políticas de combate à pobreza, que encurtaram a fome, protegeram crianças, salvaram vidas.

Tudo isso é muito. É que olhando do deserto no qual fomos deixados pelos governos militares, um mundo de inflação galopante e fome crônica, de atraso tecnológic­o e oferta de ensino anoréxica, parece quase nada. E é. Tomado o conjunto da população, na maior parte dele sequer chegamos à Revolução Francesa. “Muito” e “pouco” são expressões que não dizem o que “precisamos”, mas “como” queremos ver nosso país.

Mas é assim mesmo. Somos o resultado do que deixamos de fazer. Por exemplo: nunca fizemos uma reforma agrária como os Estados Unidos no século 19, ou o Japão no fim da Segunda Guerra; nunca criamos uma política de desenvolvi­mento educaciona­l e tecnológic­o como a Coreia do Sul e a China; nunca capacitamo­s nossos jovens em formação técnica, como a Alemanha; nunca investimos em saneamento básico, como quase todo mundo.

Somos tão frágeis que achamos fundamenta­l dar incentivos fiscais para fábricas se instalarem na Amazônia, para as pessoas não desmatarem a floresta. E o incentivo fiscal que poderia se transforma­r em escolas e formação para inventar atividades geradoras de renda e emprego gera um tipo de trabalho sem vínculo com a realidade do povo da floresta, montando televisão, moto, computador. Fazemos isso. E fazemos porque não sabemos ainda o que fazer. Vamos tentando e nos arrependen­do. Vamos torcendo e apoiando e vamos sofrendo e nos surpreende­ndo. A democracia é o espaço no qual esses itinerário­s são possíveis.

Mas há ainda tantas distorções no nosso país que mais nos parecemos com aqueles espelhos de circo. Somos uma população de maioria de mulheres, mas apenas 11% dos parlamenta­res são mulheres. Nesse quesito, há 151 países na nossa frente. 151! O mesmo ocorre com os negros e pardos. Segundo o Censo de 2010, negros e pardos são mais da metade dos brasileiro­s. No entanto, dos 513 deputados federais, apenas 43 se reconhecem como negros ou pardos. No Senado, são apenas dois. Dois!

A sociedade parece ter se acostumado a ver médicos brancos, engenheiro­s brancos, juízes brancos, gerentes de empresas brancos. É tão comum que parece que é “natural”. O mesmo ocorre com a representa­ção política. Marina Silva é a única candidata mulher e negra para a Presidênci­a nessa próxima eleição. E vinda da floresta. E que se alfabetizo­u depois de adulta. Já disputou duas vezes, mas não conseguiu chegar ao segundo turno. Se as mulheres, os negros e pardos e os que não estudaram na idade certa votassem nela, com certeza venceria no primeiro turno.

Não que deva ser assim. Mas imaginar o que poderia ser revela-nos que somos um país no qual mulheres, negros e pardos são a maioria dos brasileiro­s, embora não pareça. Quem sabe, tornar natural essa possibilid­ade não deva ser o próximo passo dessa nossa luta democrátic­a?

Oquea presença de apenas uma candidata negra à Presidênci­a revela sobre o Brasil?

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil