‘INVISÍVEIS’
Órgãos de assistência sabem do problema dos dois meninos, que foi mostrado em reportagem da FOLHA
Jovens de 13 e 16 anos que moram sozinhos em favela na zona norte enfrentam abandono da família e falta de assistência do poder público
No dia 15 de agosto, na matéria “Pobreza atinge 61% das crianças e adolescentes brasileiros”, publicada pela FOLHA, dois personagens chamaram a atenção dos leitores. Dois irmãos, de 13 e 16 anos, relataram a realidade de viver sozinhos, sem um adulto responsável, em um barraco com quase nenhuma infraestrutura localizado em uma favela da zona norte de Londrina. Órfãos de pai e abandonados pela mãe, há três anos os meninos só têm um ao outro. Eles vivem de pequenos serviços, mas o dinheiro que entra é muito pouco e o mais velho admitiu que não são raros os dias em que não têm o que comer.
A matéria repercutiu dados divulgados em um estudo do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) que apurou que 32 milhões de crianças e adolescentes brasileiros são afetados pela pobreza, seja pela falta de dinheiro ou por não ter acesso a direitos, como educação, informação, proteção contra o trabalho infantil, moradia, água e saneamento.
Entre as várias faces da pobreza delineadas pelo estudo do Unicef, os dois irmãos se encaixam na fatia dos 12 milhões de pobres infanto-juvenis que além de não ter renda per capita suficiente para adquirir uma cesta básica de itens, têm um ou mais direitos negados. No caso deles, todos os seis direitos considerados fundamentais pelo Unicef estão inacessíveis.
Após a veiculação da matéria, a reportagem da FOLHA entrou em contato com os órgãos municipais de atendimento à população em situação de vulnerabilidade e constatou que as condições em que vivem os dois irmãos não são decorrentes do desconhecimento e parecem ser fruto do descaso do poder público.
Em uma das unidades do Cras (Centro de Referência de Assistência Social), responsável pelos atendimentos aos moradores da região onde está localizada a favela na qual vivem os irmãos, um funcionário informou, extraoficialmente, que os adolescentes haviam recebido a visita de uma psicóloga em janeiro deste ano e que um ofício teria sido encaminhado ao Poder Judiciário, mas não soube precisar o teor desse documento.
Em um segundo contato com o Cras, a reportagem foi orientada por uma funcionária a solicitar as informações junto a Secretaria Municipal de Assistência Social. A secretaria, no entanto, adiantou que dados dos relatórios de atendimento são sigilosos e liberados apenas mediante pedido da Justiça.
Apesar de os dois irmãos não estarem em situação de rua e não fazerem parte do público adulto, prioritário no Centro POP (Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua), a situação deles também era conhecida no órgão. A coordenação informou que desde 2008 eles estão no cadastro de atendimento dos serviços municipais e que, neste mês, a Vara da Infância e Juventude teria solicitado o endereço dos irmãos.
A coordenação do Centro POP apurou também que o caso dos dois irmãos teria sido encerrado em 2011 no Creas 3 (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), mas não soube explicar o motivo.
No Conselho Tutelar, após ser questionado pela reportagem, um conselheiro disse que havia ido até a favela no início desta semana, mas não havia encontrado os dois irmãos. Orientado sobre a localização da moradia, garantiu que voltaria ao local no mesmo dia. Depois disso, não atendeu mais aos telefonemas.
A Vara da Infância e Juventude informou que os casos de competência do órgão correm em segredo de Justiça.