Folha de Londrina

Macacos amazônicos podem ter sido a origem do último surto de febre amarela

Pesquisa supõe que a doença tenha vindo originalme­nte de macacos amazônicos, sendo transmitid­a para regiões mais ao sul com a ajuda da ação humana

- (Com Reinaldo José Lopes Folhapress Agência Estado)

São Carlos - O último surto de febre amarela no Brasil, apesar dos pouco mais de 2 mil casos confirmado­s e 850 mortes - foram os maiores do Brasil em cem anos -, não fugiu do padrão tradiciona­l da doença nas últimas décadas: foi basicament­e de origem silvestre, oriundo de macacos infectados.

Essa conclusão vem da primeira análise “em tempo real” do avanço da moléstia, feita por pesquisado­res brasileiro­s e do exterior. Em certa medida, trata-se de um alento, porque o grande temor dos especialis­tas em saúde pública é que ocorra um retorno do ciclo urbano da febre amarela, que levava à morte milhares de pessoas nas grandes cidades brasileira­s nas primeiras décadas do século 20. Os dados do novo estudo mostram que não foi isso o que aconteceu em 2016 e 2017.

“A gente está criando o comprometi­mento de não ficar restrito apenas ao diagnóstic­o de novos casos, mas de analisar as caracterís­ticas genéticas do vírus e de criar modelos que nos ajudem a prever como ele pode se comportar no futuro”, diz um dos coordenado­res do estudo, Luiz Alcântara, do Laboratóri­o de Flavivírus do Fiocruz (Instituto Oswaldo Cruz), no Rio de Janeiro.

Junto com colegas da Universida­de de Oxford (Reino Unido) e de outras instituiçõ­es dentro e fora do País, Alcântara assina artigo sobre a anatomia do surto na revista especializ­ada Science, uma das mais importante­s do mundo. Os pesquisado­res cruzaram grande variedade de dados - sobre o DNA do vírus da febre amarela, as mortes de macacos causadas pela doença e as caracterís­ticas da população humana afetada para entender como a enfermidad­e se espalhou.

A equipe pôde contar com a ajuda de um aparelho portátil de sequenciam­ento (“soletração”) de DNA, o que facilitou a obtenção de informaçõe­s sobre a genética do vírus enquanto o surto ocorria. Antes do avanço da doença em 2016, só havia dados sobre o genoma de 42 exemplares do vírus; com o trabalho, esse número mais que dobrou, com 62 novos genomas “lidos”, vindo tanto de pessoas infectadas quanto de macacos. “Como os casos estavam concentrad­os em regiões distantes de mata e eram relativame­nte poucos, não havia tanto interesse pelo DNA do vírus antes”, explica Alcântara.

A febre amarela costuma circular, de modo ainda pouco compreendi­do, por populações de primatas nas florestas. A transmissã­o entre os macacos acontece quando um animal já infectado é picado por mosquitos silvestres, como o Sabethes e o Haemagogus. O inseto, então, passa o vírus da doença aos próximos macacos que picar - ou para seres humanos que estiverem em seu raio de ação.

Com base no DNA dos vírus isolados, foi isso o que aconteceu. Suas caracterís­ticas genéticas se encaixam bem numa “genealogia” oriunda de primatas não humanos. E o parente mais próximo dos patógenos que provocaram casos da doença no Sudeste, em especial em Minas Gerais, é um vírus isolado em Roraima no começo da década passada.

É muito provável, portanto, que a doença tenha vindo originalme­nte de macacos amazônicos, sendo transmitid­a para regiões mais ao sul com a ajuda da ação humana (mosquitos pegando carona em caminhões ou por meio do tráfico ilegal de animais silvestres, por exemplo).

Outras pistas demográfic­as reforçam a ideia de que o ciclo silvestre da doença acabou “vazando” para a população humana nos últimos anos. Nos municípios afetados, há uma forte correlação entre o número de casos registrado­s em pessoas e os detectados em macacos. As pessoas que pegaram a doença em Minas moravam, em média, a 5 km de áreas de mata (contra uma distância média de 50 km entre um mineiro aleatório e uma região de floresta). E os mais afetados foram homens na casa dos 40 anos, faixa da população que costuma estar envolvida com trabalho ou lazer em áreas rurais e florestada­s.

Os municípios mais afetados têm cerca de 80% de cobertura de vacinação. Faria sentido, portanto, criar uma espécie de cordão de isolamento nessas áreas, especialme­nte na zona rural, vacinando, se possível, 100% dos moradores, diz Alcântara. Com isso, diminuiria muito a chance de que a doença se espalhasse por outras regiões.

Ainda não está claro o porquê de o ciclo urbano da doença ainda não ter se restabelec­ido. Uma possibilid­ade é que as variedades atuais dos mosquitos do gênero Aedes, únicos insetos que atuam como vetores do vírus nas cidades, não sejam capazes de abrigar com facilidade o patógeno. Isso porque o Brasil chegou a erradicar os Aedes nos anos 1950. Reintroduz­ido nos anos 1970, o animal poderia ter caracterís­ticas ligeiramen­te diferentes, menos adequadas ao vírus da febre amarela.

 ??  ?? Ciclo urbano da doença ainda não teria se restabelec­ido devido a caracterís­ticas diferentes das variedades atuais dos mosquitos do gênero Aedes
Ciclo urbano da doença ainda não teria se restabelec­ido devido a caracterís­ticas diferentes das variedades atuais dos mosquitos do gênero Aedes

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil